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A dimensão dos escândalos mede-se em graus de imoralidade do poder. Ora, já se sabe que em política a proclamação de escândalos está inscrita a ferro e fogo nos métodos instalados de fazer oposição, em especial daqueles que não têm por objetivo exercer o poder de governar. E, no entanto, alguns dos escandalizados estão longe de ser virgens de aço: basta-nos olhar a história do Poder Local também com os seus escandalozinhos. "Inhos" para guardarmos escala relativamente a poderosos escândalos em ministérios e institutos da administração central.
Eis o que nos deveria tornar mais precavidos e também mais arreigado à convicção de que apenas a conformidade com a lei nos permite separar o trigo do joio. Sem nos enganarmos, nem enganarmos os outros.
Tamanha é a evidência da necessidade de salvaguardar a ética republicana que o não uso do escândalo infundado à luz da lei deveria ser o primeiro mandamento de quem abra a boca para fazer política.
Sim, é verdade que o nosso sistema de justiça não funciona bem, mas a nossa forma de fazer política não contribui para o seu crédito: a estafada frase "confio na justiça" já tem pouco de respeito pela lei e pela sua aplicação, uma vez que quase só a ouvimos da boca dos acossados.
Nos últimos anos, fruto de guerras sem quartel, os escândalos políticos sucederam-se a um ritmo infernal. E foram poucos, muito poucos, os que resultaram em condenações nos tribunais.
Esta relação falsa entre escândalo e condenação tem sido muito bem ilustrada pelos episódios judiciais dos processos desencadeados contra Sócrates. Até hoje, o ex-primeiro-ministro não foi condenado em nenhum dos escândalos políticos que lhe foram atribuídos e, à medida que o tempo passa, ganha forma e força a ideia de que os seus adversários não encontraram outra de forma de o desgastar e derrubar.
Dada esta memória recente, não deixa de ser estranho que parte do PS se deixe seduzir agora pela mesma arma do escândalo político que lhe derrubou o anterior líder.
Felizmente, Seguro tem sabido evitar essa sedução e rejeitado protagonizar esse tipo de radicalismo sem memória. Acredito que por afeição à ética republicana e por feitio próprio.
Foi, de resto, a rejeição desse radicalismo tão moralista quanto inconsequente que levou outra parte do PS a animar-se com a perspetiva de ver Seguro assinar o compromisso de salvação nacional pretendido pelo presidente da República.
Com parte do partido a tentar empurrá-lo para a fogueira justicialista do radicalismo gratuito e outra parte a tentar puxá-lo para o bloco central de todas as escandaleiras, Seguro enfrenta ainda um problema externo: não é benquisto por uma certa mediocracia que almeja mandar no país sem ir a votos.