A verdade enquanto pilar moral e político, uma das principais heranças do século das Luzes, desmoronou-se. E isso tem profundas implicações no modo como nos construímos enquanto sociedade.
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Numa era em que está na moda falar de fake news, talvez fosse mais assertivo refletir sobre a importância da verdade.
Em contextos de multiplicação de meios de comunicação (órgãos informativos, redes sociais, conteúdos de entretenimento), há um permanente ruído de fundo onde se mistura aleatoriamente o essencial com o acessório. Dantes a censura escondia certos factos para manipular um real que se queria moldável às vontades do poder dominante. Hoje os factos pouco importam. Aliás, será até estratégica a sua propagação num espaço público que semeia, em permanência, a confusão.
Nunca como agora tivemos acesso a tanta informação, mas o que sabemos nós acerca daquilo que se passa? Um exemplo: na noite de 22 de novembro de 2014, José Sócrates foi detido à chegada ao aeroporto de Lisboa, vindo de Paris. Até agora, a investigação judicial produziu abundante alegada prova e o campo jornalístico multiplicou milhares de peças noticiosas. Esta semana, ao entrar no Tribunal Central de Instrução Criminal, o ex -primeiro-ministro disse aos jornalistas, que o esperavam, que as capas dos jornais daquele dia não correspondiam à verdade. "As vossas fontes habituais estão desorientadas", disse a sorrir. Uma das repórteres perguntou: "Qual é a verdade?" Ninguém sabe.
Já não importa muito a representação do Mundo. Importa, acima de tudo, a representação de si. Há uma sobrevalorização do indivíduo a partir da qual se pensa a lógica do poder. Há, pois, que cuidar do modo de apresentação que cada um encena no espaço público. E, a esse nível, as emoções sobrepõem-se a qualquer esforço de racionalidade. Neste tempo de "verdades alternativas" que Donald Trump impôs, é muito complicado fazer sobreviver o jornalismo. Todavia, esse exercício de procura da verdade é fundamental para fazer perdurar os regimes democráticos.
Esta semana, num dos painéis do XXV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Promoção de Saúde Pública, ouvi a jornalista da SIC Dulce Salzedas falar da responsabilidade das fontes (oficiais) em repor a verdade de factos que vão circulando no espaço público mediático de forma enganadora. Por ignorância ou por manipulação de certos atores que os protagonizam. Eis aqui um modo eficaz de neutralizar parte dos atuais problemas da informação, se as ditas fontes oficiais sobrepuserem o interesse das instituições que lideram ao seu.
*PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UMINHO