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Maria diz nada saber sobre as contas arrestadas de Carla. Mas Carla terá informado Maria. Sobre o quê exatamente? Maria não esclarece. Carla só aguentou um dia em funções governativas. Fernando diz nada ter sabido sobre a indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra. Porém, assim que descobriu, convidou-a a demitir-se do Governo. Pedro, esse, saiu sem ninguém lhe pedir, apesar de também desconhecer a existência desse cheque chorudo. Mas Hugo, secretário de Estado de Pedro, foi informado. Só que não contou a Pedro. Esse, o que se demitiu. Miguel foi para adjunto de António, envolto em várias suspeitas, e caiu empurrado pelos factos ao fim de dois meses. António lançou-lhe boias de salvação enquanto pôde. Mas não evitou o naufrágio.
Para quem gosta de ser enganado, as recentes crises de meia-idade deste governo juvenil são um poderoso afrodisíaco de inspiração venezuelana. Mas apenas para esses. Porque não é preciso ser um génio da análise política ou semântica para concluir que o estado de podridão que se apoderou da coisa pública é transversal. Atinge a dimensão institucional (Belém versus São Bento), mas também e sobretudo a cultural, traduzida na ausência de decoro e integridade daqueles que se têm revelado incapazes de proceder a um básico exercício de autoavaliação no momento em que são convidados a ocupar funções executivas.
Ora, de nada serve a criação de mecanismos de verificação póstuma aos titulares de cargos públicos se os currículos dos escolhidos não forem revistos antes de estes constituírem hipótese. É verdade que não ajuda se os próprios não usarem um "autofiltro", mas esse à-vontade em lançarem-se de peito feito para a frente da batalha revela, acima de tudo, que o ecossistema político atual facilita o descaramento e a impunidade. Acreditem, pois, os que quiserem que esta sucessão de asneiras é só incompetência. Não é. Infelizmente é falta de vergonha. Por isso, façam-nos um favor: não gozem connosco. Só passaram dez meses deste Governo de maioria estável e absoluta. Organizem as ideias e os currículos e governem. O país não são vocês e os vossos umbigos.
*Diretor-adjunto