Corpo do artigo
As sapatilhas (número 33) com luzes já não devem servir ao Micael. Provavelmente também já não brinca com o carro telecomandado que encontrou debaixo da árvore de Natal. Os desejos deste menino, hoje com nove anos, foram expressos há dois, numa carta. Micael também pediu um relógio, na esperança que o seu tempo corresse como deve correr a qualquer menino. Por isso, também pediu saúde.
Não sabemos se Micael continua institucionalizado e se, este ano, voltou a pegar nos lápis de cor para ilustrar a carta endereçada ao Pai Natal Solidário dos CTT, iniciativa que, mais uma vez, levará um sorriso a duas mil crianças de meia centena de instituições de solidariedade social portuguesas.
Sabemos, sim, que os sonhos das crianças são simples. Ou não fossem as crianças feitas de sonhos. E por serem simples, os pedidos também são naturais. Carrinhos, bolas, bonecas, livros, smartphones e tablets para jogar. Ou quase naturais. Entre os escritos encontram-se outros desejos inocentes, mas com uma enorme carga de esperança num país mais justo, inclusivo e capaz de responder às necessidades dos seus. Há, novamente, meninos e meninas a pedirem apenas um emprego para o pai. Há bebés que, pela caneta da mãe, só solicitam toalhitas e outros produtos de asseio.
Pode ser um pequeno retrato de um país, mas é um duro retrato que se repete. Como se repete a enorme generosidade dos portugueses que, também eles, continuam a ter esperança de viver num país mais equilibrado, mesmo que percebam que há um outro país cheio de esquemas para tramar este, aquele e o outro. As últimas semanas têm sido claras.
Não haverá meninos à espera. As cartas não vão ficar nas gavetas. Mesmo sem prometer nada, os portugueses estão a apadrinhar todas. E não é pela ilusão de conseguirem ter um país melhor. É pela realidade de não terem um melhor país.
*Diretor-adjunto