Não veja o mal, não fale do mal, não ouça o mal. Faça como os três macacos sábios. Tape os olhos, cerre os lábios e cubra os ouvidos. Enfie a cabeça num buraco fundo e, até outubro, descubra as vantagens de viver num país em que os atores políticos cumprem escrupulosamente a lei e comunicam com o povo numa língua chamada silêncio. É mais ou menos esta a mensagem associada à "fatwa" da Comissão Nacional de Eleições (CNE) relativa às normas que regulam a propaganda eleitoral na pré-campanha e que atinge, de forma indiscriminada, todo o político que mexa. Uma interpretação tão extensiva da lei que tolhe qualquer tentativa de ação pública. Seja ou não de base propagandística. Pior: que é arbitrária ao ponto de não distinguir a natureza dos atos eleitorais, que mistura publicidade institucional com gestão corrente. Que trata eleitores e eleitos com uma arrogância e um paternalismo próprios de uma democracia do Terceiro Mundo.
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Como se algum cidadão fosse, de repente, sentir uma pulsão incontrolável de votar em determinado cabeça de lista às europeias porque o presidente de Câmara do seu município decidiu, como aconteceu em Gaia, distribuir panfletos aos pais a apelar ao fair play nos recintos desportivos do concelho.
Saúdam-se, obviamente, todos os mecanismos que ajudem a mitigar a apropriação de dinheiros públicos para fins partidários, mas o bom senso não pode ser um entrave à aplicação da lei. Mais uma vez, os autarcas foram os bombos da festa. E, mais uma vez, foram eles a desmontar uma enormidade a que, curiosamente, o Governo não parece estar a dar grande importância, fazendo uso da sua própria leitura das regras. É certo que a CNE tem a responsabilidade de ter produzido um documento vago que gera disformidades - entrando de forma perversa na campanha -, mas este boomerang também atinge os partidos: PSD e CDS, que criaram uma "lei da rolha" de âmbito quase ilimitado; e toda a Esquerda, que votou a favor desta proibição. Agora, não façamos como os macacos: olhemos para o que está mal, ouçamos o que está mal e falemos do que está mal. Usemos a realidade em benefício da sapiência de todos.
* DIRETOR-ADJUNTO