Para além da resolução ou adaptação ao excesso calórico que assoma às mesas no Natal, o dia seguinte atira-nos à reflexão sobre a quantidade de lugares-comuns que nos são entregues nas mais diversas mensagens natalícias. São como os sonhos mas com mais molho, muito mais doces. Se os desejos para o Ano Novo vêm feitos de esperança a levedar, os desejos de 24 não aspiram a 25, tantas vezes apenas um "mea culpa" colectivo ao retrovisor, nada católico face aos actos.
A última mensagem de Natal de Marcelo Rebelo de Sousa, escritas para as páginas do JN, é - ela mesmo - uma despedida de desencanto e esperança velada, como não podia deixar de ser. Os "muros mais urgentes de superar" só podem ser abolidos pela tolerância, já que "os muros tendem a alimentar-se de outros muros", escreve o Presidente. A memória leva-me para o Martim Moniz e para a operação policial que encostou dezenas de pessoas à parede, sem motivo aparente, numa das imagens mais tristemente guardadas do ano passado, poucos dias antes do Natal. Nesse momento, Marcelo preferiu não comentar, refugiando-se no inquérito instaurado pela Inspeção-Geral da Administração Interna. Deveria ser pela firmeza de não compactuar com a armadilha que se luta contra a mentira e se evitam novos muros.
As mensagens de guerra, porventura, as mais honestas e cruéis, falam do presente, até porque não há grande passado ou visão do futuro entre bombas. Zelensky propõe um plano de paz, enquanto que na mensagem de Natal sugere "que ele morra", numa referência nada obscura a Putin. Entretanto, o teatro da cidade ocupada de Mariupol reabre a temporada, reconstruído em dois anos, com a encenação de um conto de fadas russo, após as suas paredes terem sido bombardeadas durante a guerra (causando pelo menos doze mortos) quando estava repleto de civis e com a palavra "crianças" pintada em letras gigantes na praça em frente.
Isto, enquanto Trump foge como pode do escândalo que envolve o seu nome nos Epstein Files, usando da falta de vergonha que o caracteriza como o idiota que a História recordará como tendo sido presidente dos EUA. Uma nova oportunidade para pedir que "não matem o mensageiro". É vê-lo a telefonar a crianças nesta quadra, garantindo que não permitirá a entrada de um Pai Natal mau no país. A besta mora dentro e não treme o lábio como Claire Danes. Mas é quando se descobre que os Epstein Files foram reescritos com o Acrobat Reader, sendo possível restaurá-los fazendo "copy-paste", que se percebe que a esperança na estupidez do mensageiro não está perdida.

