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As músicas infantis da minha época estão carregadas de fardos pesados: racismo, em "Truz-truz"; maus-tratos a animais, em "Atirei o pau ao gato"; ou violência doméstica, em "Sebastião come tudo". As lições para o público infantil parecem ter dado frutos, e digo-o com o maior pesar. Os crimes de violência contra as mulheres aumentaram 10% entre 2022 e 2024. Os dados da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) são aterradores, e sim, podemos e devemos usar os adjetivos para enquadrar a estatística. Nestes dois anos, registaram-se 70 179 crimes contra mulheres e meninas, quase 100 por dia. A violência machista - é assim que se diz em Espanha, e as palavras têm peso - está ainda a tornar-se "mais letal e mais rápida na escalada", explicou o assessor técnico da direção da APAV, Daniel Cotrim. No ano passado foram 12 681 a procurar a ajuda da associação. Na análise do especialista, destacam-se duas ideias: que as mulheres estão mais informadas sobre os seus direitos e prontas para quebrar ciclos de violência; e que, apesar disso, há mais casos em que se passa das agressões emocionais e físicas para tentativas de homicídio. Uma das explicações é o aumento do discurso de ódio contra as mulheres, patriarcal e misógino. Exemplos que abundam nas redes sociais de jovens para quem o cancioneiro infantil mencionado acima pouco dirá. Os casos de violência contra as mulheres não só não estabilizaram como aumentaram e se olharmos para o pior dos cenários, percebemos quão pouco avançamos: neste 2025, uma mulher foi assassinada a cada 15 dias em Portugal. O Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta conta 24 corpos, 21 em resultado de violência de género. Algumas foram mortas depois de terem feito queixa, o que revela quanto o Estado tem por fazer, e ainda não faz.

