Não é pela moedinha de euro, mas por uma questão de princípio. Um homem tem de ter princípios e uma das minhas regras é não ceder à chantagem de que todos somos vítimas quando andamos na rua e é exercida por um exército irregular internacional e variado de pedintes, arrumadores, vendedores de rosas, cravas e ofícios correlativos.
Corpo do artigo
Não é por causa da moedinha, mas sim por uma questão de princípio que, desde o fim de tarde de sábado dia 9 de novembro, ando com um fio multicolor no pulso direito. Aliás, aproveito para avisar toda a gente que o facto da fita ter as cores do arco-íris não significa que eu tenho mudado de orientação sexual. Continuo a achar muita graça (se calhar até demasiada) às mulheres....
Mas o melhor é contar a história toda desde o princípio. Era o meu primeiro dia em Milão. Vindo da Piazza Cavour, apeei-me do elétrico no Largo Cairoli, em frente à imponente fachada principal do castelo Sforzesco, que não pude apreciar devidamente porque já era noite.
De noite todos os gatos são pardos e foi precisamente um tipo pardo (e bastante competente na arte de enrolar incautos) que me apanhou distraído. Eu estava parado, ele meteu conversa, eu cometi a imprudência de lhe dar troco, ele meteu-me na mão o fio arco-íris, e eu não consegui devolvê-lo, derrotado por um dos mais eficazes argumentos do Mundo: o fio era uma prenda, e uma prenda não se recusa.
Não era preciso ser um Einstein para perceber que estava tramado. Já derrotado, dei-lhe a resposta certa quando ele me perguntou de onde era, dando-lhe pretexto para trazer à colação o Ronaldo, o Pépé (pronunciado assim, como duas vezes pé, um pé stereo como temos todos os que não somos pernetas) e o Mourinho. E em nome desta Santíssima Trindade, ofereceu-me outro fio e, não contente com isso, pega no primeiro, pô-lo à volta do meu pulso, deu-lhe um nó, aparou as pontas com um corta-unhas, e depois, como quem não quer a coisa, perguntou-me se eu por acaso não teria uma moedinha que lhe pudesse dispensar.
O fio arco-íris que uso no pulso direito é um memorial. Recorda-me a figura de parvo que fiz no episódio que resumi. Lembra-me que quando somos importunados por cravas na rua nem sequer devemos estabelecer contacto visual com eles, quanto mais falar.
O fio arco-íris é um memorial à minha falta de jeito, tal como a danificada escultura metálica The Sphere - que decorava a praça do World Trade Center em Nova Iorque e foi posta em Battery Park, no estado em que foi resgatada aos destroços das Twin Towers - foi transformada num memorial das vítimas do atentado terrorista de 11 de setembro.
Há coisas, pequenas ou grandes, que não devemos nunca esquecer, mas preservar a sua memória, para evitar repetir os erros. É por isso mesmo que não devemos vender os 85 Mirós, mas transformá-los num memorial da tragédia do BPN, em que um bando de criminosos e ladrões de gravata nos roubou sete mil milhões de euros perante a incúria cúmplice de governos e Banco de Portugal.