Afinal, a ministra da Coesão Territorial (força de expressão) não queria dizer aquilo que disse e aquilo em que acredita.
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Portugal, corrigiu entretanto Ana Abrunhosa, depois de alguém no PS ou no Governo muito provavelmente a ter confrontado com a verdade, não tem um dos "governos mais centralistas" da história. Foram, reconheceu um dia depois a governante que lamentava estar a travar uma guerra sem exército, "declarações infelizes" e "injustas".
Vamos, então, recuperar a intervenção da ministra. Não a que protagonizou na terça-feira em Lamego e emendou na quarta-feira em Lisboa. Vamos recuperar uma entrevista que Ana Abrunhosa concedeu a este jornal em junho. A pergunta foi esta: este Governo é centralizador? E a resposta não provocou, então, comoções partidárias. "É muito centralizador. É dos governos mais centralizadores com que trabalhei". Não era necessário recuar meio ano no calendário para perceber que a governante que tinha como objetivo falar pelas regiões que não sobem ao palco do Conselhos de Ministros acredita verdadeiramente que a sua missão falhou. E com ela a do Governo. O país é muito, demasiado, centralista, e este Governo corporiza de forma categórica essa tendência galopante que a pandemia agravou. Se Portugal não fosse centralista, não ouvíamos, dia sim, dia não, alguns partidos, o primeiro-ministro e até o presidente da República a entusiasmarem-se com a necessidade de promovermos uma descentralização que não se cinja à criação de ministérios ou secretarias de Estado com nomes pomposos e deslocalizados para o berço da ruralidade. Entusiasmo que, como se tem visto, de nada serve.
Este Governo é centralista como o foram todos os anteriores. Porque é o sistema de representação do poder, nas suas variadas dimensões, que exerce esta força centrifugadora, e não um Governo ou governante circunstancial. Ao ter relatado uma evidência, a ministra da Coesão Territorial não devia ter sobressaltado ninguém. A grande diferença é que em junho não havia eleições legislativas. E se há época em que devemos expiar os pecados e demonstrar arrependimentos é a do Natal. Se Pedro negou três vezes Jesus, Ana também pode negar uma vez o centralismo. Vamos fingir que acreditamos que ela acredita nesse milagre da fé.
*Diretor-adjunto