Prever o futuro olhando para o passado é partir do princípio de que as condições vão permanecer constantes, ou seja é o mesmo que conduzir um carro a olhar apenas pelo retrovisor.
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Prever o futuro é das coisas mais tramadas que há na vida. Por alguma razão, a invenção da Internet não foi antecipada por nenhum escritor de ficção científica, género que conta com um naipe de autores da qualidade de Asimov, Arthur C. Clarke ou Philip K. Dick, nunca esquecendo o genial Júlio Verne.
No início dos anos 90, quando a Companhia das Sandes abriu as primeiras lojas nove em cada dez palpites apostavam na iminência da sua falência, baseando-se no pressuposto de que nenhum português no seu seu perfeito juízo iria resumir o almoço a uma sanduíche engolida à pressa, de pé ou numa mesa partilhada com desconhecidos. Enganaram- se redondamente porque estavam a olhar só pelo retrovisor.
Conseguir adivinhar o comportamento futuro dos consumidores é quase tão difícil como acertar no Euromilhões - e apenas um pouco mais rentável. Imaginem a fortuna da família do inventor da garrafa de Coca Cola se ele em vez de ter vendido os direitos da sua criação tivesse optado por receber um royalty de um cêntimo sobre cada garrafa vendida!
Interpretar o passado é muito mais fácil do que adivinhar o futuro e tem o aliciante de nos permitir descortinar tendências, que o tempo e a inovação tecnológica se encarregarão de confirmar ou desmentir.
Os dados sobre o consumo em Portugal no primeiro semestre revelam que a crise obriga o consumidor a ser mais inteligente e poupado - e confirma que os avanços e a massificação das tecnologias nos estão a levar para uma crescente e preocupante privatização dos consumos.
Em vez de irmos ao cinema, vemos os filmes sacados da net em casa - e cada vez mais sozinhos no quarto, no ecrã do computador, em vez de em família, na sala e no televisor.
Em vez de irmos ao café, depois do jantar, tomamos o cimbalino em casa, com a espuma assegurada pelas máquinas Nespresso ou equivalentes.
Em vez de estar à conversa cara a cara com os amigos, satisfazemo-nos a pôr a escrita em dia no facebook com amigos, presumíveis amigos e desconhecidos.
Em vez de almoçar ou jantar fora, transferimos para dentro de casa o consumo alimentar, o que explica o crescimento de 2,1% nos gastos com comida, que contrasta com a queda de 6,1% no não-alimentar.
Em vez de telefonar, mandamos SMS e fotos, o que explica a brutal subida de 73,9% nos smartphones, que contrasta com a quebra de 40% na venda dos telemóveis burros (tradicionais, se preferirem), o que nos diz que não é exatamente para telefonar que hoje se compra um telefone móvel.
Eu prefiro o face look ao facebook, gosto de ir ao cinema e aprecio uma jantarada fora. Mas as coisas são como são. Por isso, só me resta esperar que uma invenção disruptiva inverta esta tendência para a privatização do consumo e leve o pessoal a desligar os televisores, acabar com a dependência do facebook - e ir para o café conversar.