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Vai agora para o quarto ano. Daqui a uns meses será finalista da primária, talvez na sua escola no Machico haja um programinha para os que terminam o Primeiro Ciclo, talvez uma tarde passada no Funchal ou uma ida ao cinema ou ao museu do Cristiano Ronaldo. O menino de nove anos devia estar entusiasmado com os novos livros, curioso com os beijos que ainda não deu, com os golos que ainda não marcou, com a vida à sua frente, tão esplendorosa como o caminho para o Curral das Freiras de uma ilha rodeada de mundo e oportunidades por todos os lados. Mas o menino de nove que agora conhecemos, sem realmente o conhecer, é já um outro. O seu sorriso deixará de ser o sorriso próprio dos que não estão contaminados com o horror, permanecerá criança, mas o seu pai não esmurrou apenas a companheira de tantos anos, infelizmente fez uma coisa muitíssimo pior... rebentou com a infância do filho, destruiu a parte mais bonita da vida da pessoa que deveria proteger com a sua própria vida. É o óbvio, lamento não conseguir fugir ao evidente, mas aquela voz de menino perdido e incrédulo não me sai da cabeça - "não, pai", "não batas, por favor, pai". E ele sem parar, com o bafo da madrugada no corpo, cego como todos os que matam dizendo que é por amor, dizendo que é por terem visto umas mensagens, o medo de serem encornados, filhos da puta que não travam a animalidade nem com o apelo de uma criança a quem cada murro numa mãe equivale à mais brutal e miserável condenação dos seus sonhos.