<p>No início, o tom não era de "agarrem-me, senão eu bato-lhe!", mas andava próximo. Metia uma zanga tão irrremediável que Passos Coelho jurava não voltar a sentar-se com Sócrates sem testemunhas à ilharga. Era o tempo em que o líder do PSD julgava poder fazer do "não" ao Orçamento de Estado para 2011 o supremo instrumento de demarcação política em relação ao PS, depois de um PEC parido a meias, que o obrigou a um pedido de desculpas. Era o tempo em que pintava o orçamento de cores negras, mesmo sem o conhecer. </p>
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Nunca acreditei que o PSD o chumbasse - escrevi-o, aliás, neste espaço, em finais de Setembro. Por essa altura, depois das audiências de Cavaco Silva com os partidos e de Teixeira dos Santos revelar parte do "pacote" de austeridade, já os decibéis estavam a baixar. Quer da parte do PSD, quer da parte do Governo, diga-se.
Como muito boa gente percebeu no PSD, a ameaça do primeiro-ministro de fazer as malas, em caso de não aprovação do orçamento, é tudo menos uma boa notícia para o partido. Porque, na impossibilidade de consultar os portugueses no imediato, Sócrates passaria meses a vitimizar-se, reduzindo a possibilidade de os social-democratas se instituírem como alternativa. Por isso o "salto" de Passos Coelho se arriscava a ser mortal, politicamente falando.
Sem olhar ao perigo, fiado no seu talento para a natação, mergulhou de cabeça. Há muito constatou que o lodo o impede de nadar tão bem como na piscina, mas - por enquanto - Passos Coelho prefere manter-se à tona a regressar à margem. A colecção de condições que agora apresenta para deixar passar o orçamento parecem, assim, pouco consentâneas com o espaço disponível no beco onde ele próprio se enfiou. Dito de outra forma: depois da entrada de leão, vai de recuo em recuo até à rendição final, traduzida num voto de abstenção. Mota Amaral, "velha raposa", já disse, sem tirar nem pôr, que é esse o caminho, aceite ou não o Governo as condições da Direcção do PSD.
Passos Coelho nem precisa de pedir outra vez desculpa. A não ser pelo tempo perdido no sinuoso percurso até chegar ao destino que se adivinhava: a abstenção, para viabilizar o orçamento.