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Estamos no olho da tempestade, disse ontem o ministro das Finanças na apresentação do Orçamento de Estado para o próximo ano. Não querendo ser maçadora (para usar uma expressão que Vítor Gaspar utilizou na mesma sessão), infelizmente, não estamos no olho da tempestade, lugar onde as condições são mais amenas. Não há amenidade no OE do próximo ano, nem no que já está gizado para o ano seguinte, o tal 2013 da suposta retoma.
Das respostas que o ministro aceitou dar, percebemos que não há qualquer garantia de que os sacrifícios impostos tenham fim à vista. Não são apenas os subsídios de férias e de Natal da Função Pública que ficam retidos nos próximos anos, são múltiplos aspectos da nossa vida retraídos sem expectativa.
Bem pode o ministro trazer para o discurso público a ideia de "auto-ajuda" de que somos um país com força e vamos todos juntos superar a crise. "Colectivamente, vamos tomar a decisão de que uma situação como esta não pode repetir-se", frisou e repetiu em entrevista na televisão. Esta será provavelmente a linha mestra de alguma campanha de mobilização do espírito de sacrifício e do brio nacional que um dia destes vai aparecer para tentar empolgar-nos. Bandeiras nas varandas, quem sabe.
O problema é que cada um de nós vai ganhar menos e vai pagar mais em tudo o que vai comprar, em cada gesto que faça. Cada imposto, directo ou indirecto, vai fazer engrossar as parcelas da nossa aritmética doméstica e familiar.
Vítor Gaspar criou uma frase para justificar a fuga às perguntas embaraçosas: "Um decisor de política não pode responder a questões hipotéticas". Explicou que optou por não reduzir a Taxa Social Única porque essa medida usada nos meios académicos "é uma opção política não testada e a estimação do efeito era particularmente incerta".
Também me pareceu particularmente incerta a "estimação" de quantas pessoas teriam de sair da Função Pública para evitar o corte dos subsídios: "entre 50 e 100 mil". Um número ou o seu dobro? Tal como esta, outras cifras evoluem para o dobro, o triplo, sabe-se lá quanto, como o que vamos pagar pelo BPN e a dívida da Madeira. Até o "desvio" das contas nacionais segue essa lógica: 3,4 mil milhões de euros, valor de ontem.
Vítor Gaspar tem razão: este é um orçamento extraordinariamente duro e exigente. E também acerta quando diz que o OE vai passar no Parlamento: o Governo assenta numa maioria absoluta.
Questão hipotética, como quase todas as que temos na cabeça: se a estratégia para ultrapassar a crise é desenhada pelos mesmos teóricos e actores que nos trouxeram até aqui, temos razões e vontade para confiar?