Numa carta de Janeiro de 1859, dirigida ao seu tio Alberto, marido da rainha Vitória, o nosso jovem D. Pedro V, a propósito de questões com a construção do caminho-de-ferro, escrevia: "lembre-se do país em que vivo e dos ministros com quem tenho de tratar".
Corpo do artigo
Não tenho a certeza que Marcelo pense exactamente o mesmo do seu "ministério". Aliás, é impossível ter alguma certeza sobre o que o presidente realmente pensa. A título de exemplo, combinou com a D. Camarinha, da CGTP, e com o Governo uma excepção no decreto que fixou as balizas do estado de emergência para permitir o 1.o de Maio. Todavia, mal começou o estado administrativo de calamidade deixou cair que, afinal, a realidade fora além da sua imaginação e da excepção. "Esperava que as comemorações fossem mais simbólicas", disse, de máscara, para as televisões. Depois desapareceu, ficando, como nós, a ver passar a torrente legislativa do Governo, seja em versão de decreto-lei, sejam os despachos ministeriais que, entre outras coisas, determinaram uma cerca sanitária a Fátima, vigiada por três mil e quinhentos agentes policiais, por ocasião de uma celebração encerrada a peregrinos pela própria Igreja desde cedo. É a "calamidade" constitucional, como bem lhe chamou o bastonário da Ordem dos Advogados. Entretanto, os ministros desfilam de máscara por todo o lado, sempre com cobertura garantida - até mais do que um, se for necessário - nos telejornais. O primeiro-ministro confessou, em directo, que desconhecia que o seu Governo tinha injectado mais 850 milhões de euros no Novo Banco. Limitou-se a pedir desculpa ao Bloco de Esquerda pelo desconhecimento. Até deu para relevar, igualmente em directo, um secretário de Estado anónimo que se comporta como um vulgar cacique regional socialista. Tudo, pois, a correr habitual e tranquilamente. Sem o mais leve escrutínio da maioria da Comunicação Social, dos partidos ou da opinião pública. As sondagens, pelos vistos fora de "lay-offs", mostram os inquiridos satisfeitos com estas habilidades torpes. A verdade é que D. Pedro V, noutra carta de Setembro de 1855, não se enganava quando agradecia ao tio a correspondência. "É a minha única saída do círculo miserável de imbecis que nos rodeia. O tio, se nos visitasse, depressa teria a evidência convincente do que lhe digo". Eu tenho. E já passaram mais de 160 anos. Não saímos disto.
Nota: a correspondência aludida no texto está organizada por Ruben A. Leitão e Maria Filomena Mónica
o autor escreve segundo a antiga ortografia
*jurista