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“Não se nasce pervertido, torna-se”, afirmou Béatrice Zavarro, advogada do francês Dominique Pelicot, que promoveu a violação da sua própria mulher, Gisèle, por mais de 50 homens ao longo de décadas. A causídica, que defende o autointitulado “monstro”, referiu as duas agressões sexuais que o acusado diz ter sofrido: quando ainda era criança, um enfermeiro violou-o durante um internamento e, já durante a juventude, terá sido “forçado” a participar na violação de uma jovem. Não querendo alegar a inocência do cliente, Zavarro não se coibiu de alegar que ele também é um “bom pai e bom avô”. Mas será tudo isto conciliável? Ou seja, podemos ter um lado sociável e, simultaneamente, uma faceta obscura cuja explicação mergulha num passado pautado por traumas?
A tentação de fuzilamento social deste tipo de criminoso (violadores ou homicidas), como é o caso de Dominique, é predominante na maioria das sociedades. Não há como negá-lo. A generalidade dos cidadãos condena de forma veemente e até deseja penas de cadeia que vão para além do limite legal que vigora em cada país.
No livro “Livre-arbítrio” (“Free will”, uma vez que só existe em versão inglesa), Sam Harris, filósofo e neurocientista, defende que é urgente reformular as práticas de justiça criminal, apostando muito mais na reabilitação e na prevenção, em vez da punição pura e simples. Essa abordagem está posta em prática na Finlândia, com as prisões abertas, onde os detidos aprendem algo e vão sendo reintegrados. A taxa de reincidência é de apenas um em cada quatro. Em Portugal, há que subir esse degrau na justiça, deixando de lado o foco em escadas usadas para fugir de prisões fechadas que normalmente só propiciam o regresso ao mundo do crime.