<p>Quando tinha uns oito anos, lembro-me de descobrir, com horror, uma fotografia de duas páginas, na revista "Manchete". Numa espécie de campo militar na selva, via-se um homem seminu, com ar sofredor, atado a uma cruz. A suspeita era a de que o exército brasileiro praticava tortura, na sua luta antiguerrilha. Depois veio a saber-se que se tratava de uma escola de treino das forças especiais do país, preparando comandos para resistir a interrogatórios, captura e maus-tratos inimigos.</p>
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Em todos os sítios do Mundo, os que passaram por este tipo de preparação sabem que se trata de uma provação, de um desafio, sempre nos limites: da força, da sanidade, da consciência, e às vezes da decência.
A lógica geral dos conflitos, mas sobretudo daqueles em que uma das partes não é estado, aconselha os exércitos a preparar o escol dos seus homens para a possível tortura. O adversário que os captura pode não respeitar o direito internacional e as regras de humanidade. Depois há o treino para a fuga, que foi sempre olhada como uma espécie de obrigação dos prisioneiros de guerra.
Mas uma coisa é a preparação para a tortura, pelos militares, e outra - o oposto ético - é a prática da tortura pelos militares.
Em Maio de 2007, o actual chefe do comando sul dos EUA, general David Petraeus, colocou assim o problema: "O que nos distingue, num conflito, é o nosso comportamento. Em tudo o que fazemos, temos de aplicar os critérios e valores que nos fazem tratar não-combatentes, e detidos, com dignidade e respeito".
Esta citação está contida no recente relatório, patrocinado pelos senadores John McCain e Carl Levin, onde se investigam as alegações de maus-tratos a prisioneiros, detidos por instituições militares americanas. Só que as palavras de Petraeus contrariam as práticas e decisões de um grupo de responsáveis, que, como se lê na conclusão n.º13, "abriram as portas" a actos de abuso, perto da tortura ou configuradores da mesma, em Guantánamo (até 2003), no Afeganistão e no Iraque.
Chega a ser revoltante, ou obscena, a discussão dessas entidades, sobre se o uso de mastins (para explorar o "medo árabe a cães"), ou a simulação de afogamento ("waterboarding"), será ou não "tortura".
Percebe-se que um grupo de decisores foi buscar os treinos do SERE (manual de sobrevivência, evasão, resistência e fuga), guardados no seio do JPRA, e que, contra a objecção de muitos militares, juristas e conselheiros (incluindo o então comandante de Guantánamo, general Geoffrey Miller), se decidiu aplicar métodos chineses da guerra da Coreia, ou práticas do universo estalinista, em detidos "difíceis".
Para além de imoral, imprópria de militares, a tortura é ainda ineficaz, em muitos casos. E como se lida com o erro, no caso de o detido não ser culpado ou não saber nada?
Este documento terá consequências. Graves e decisivas.
P.S.: A empresa do incorrecto corretor Bernard Madoff, magnate fraudulento à custa da fortuna alheia, possuía, até há pouco tempo, a seguinte referência, no seu endereço electrónico: "Numa era de organizações sem rosto, detidas por outras organizações igualmente anónimas, a BMIS evoca um outro tempo do mundo financeiro: o nome do proprietário está escrito na porta. Os clientes sabem assim que B. Madoff tem um interesse pessoal em manter o impoluto registo de valor, negócio justo e altos padrões éticos, que sempre foi o símbolo da nossa firma".
Edificante.