O actual orçamento é um compasso de espera até à apresentação do programa de estabilidade e crescimento. Devia ser mais ambicioso? Devia. Podia? No lado da receita acho que sim. No lado da despesa, a componente fundamental, tenho dúvidas.
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A carga fiscal já é elevada para o nível de rendimento médio do país. Não se ignore, porém, a tremenda desigualdade na repartição, mais própria de um país da América Latina. A crise pouco afectou os rendimentos mais elevados. Uma sobretaxa sobre o imposto pago, destinada a funções de solidariedade, parecia-me justa. Com duas condições: cessaria tão logo que o desemprego descesse para um nível pré-definido; quem pagasse deveria poder escolher o beneficiário. Ainda do lado da receita, não vejo argumentos relevantes para não aumentar a tributação das mais-valias resultantes da venda de acções compradas há menos de um ano. Ou para tributar adicionalmente quem tem reformas elevadas e continua a trabalhar. Poder-se-ia, igualmente, aumentar o imposto sobre alguns produtos supérfluos, como as chicletes, que custam mais a limpar do que o preço que se paga por elas. No conjunto, estamos a falar de medidas pouco mais que simbólicas. Pouco aumentavam as receitas. A sua função não era essa. Acresce que não é do lado das receitas que o problema está. Mas então, perguntarão, não se devia ter começado a cortar na despesa? A verdade é que, para além do congelamento de salários da Função Pública, pouco mais se pode, ou deve, fazer no curto prazo. Talvez, na linha do sugerido por Portas, pagar o 13.º mês em certificados de aforro. Ou cortar as pensões de reforma mais elevadas (alguns disparates que conduziram as contas ao estado actual têm mais de 10 anos e o sistema de pensões de reforma é um dos piores). Quanto ao resto, os impulsos imediatistas na maioria das vezes conduzem a desorçamentações que só maquilham os problemas.
Está em causa o papel do Estado na economia e na sociedade. Um bom método consiste em criar cenários de resposta para questões como: o que o Estado faz, deve fazer e faz bem? O que faz, deve fazer e faz mal (qualidade ou gasta a mais)? O que faz, não precisa de fazer mas faz bem? O que faz, não precisa fazer e faz mal? O que deve garantir mas não precisa de fazer? O que faz e não deve fazer? E assim por diante.
Quanto ao "dever ou precisar de fazer" há uma componente ideológica na resposta. Já quanto à eficiência na aplicação de recursos, deveria haver consenso. Seria um bom lado para começar se as corporações não tivessem "são precisos mais recursos" como resposta única, numa verdadeira luta do aparelho de estado contra a Sociedade. Voltamos ao início. À resposta ideológica. Com privatizações, extinções e outras medidas duras. Tornadas inevitáveis. Isto não vai ser bonito de se (vi)ver.