Segundo a tradição cristã este é dia de reunião e celebração das famílias. As unidas - de todos os dias - cumprem um ritual. As desavindas aproveitam a oportunidade para suplantar divergências ou exercitar um pouco mais o cinismo e a hipocrisia.
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O Natal é dádiva, antes de tudo. E o Natal português deste ano fica especialmente marcado pelas primeiras réplicas decorrentes do acumular de erros de décadas e inevitável agravamento das condições de vida - geradoras de maiores fissuras na sociedade.
Há, no entanto, uma vertente quase irresistível no Natal: a do consumismo.
Se aos ricos a perspectiva comercial do Natal não causa mossa, outro tanto não se passa na vivência dos pobres e remediados.
A dádiva do calor humano será transversal mas no plano das oferendas materiais cava-se um fosso cada vez maior.
Na última noite, pequenos e grandes embrulhos foram abertos nos lares portugueses. Libertaram-se prendas de milhões de sacos e saquinhos, caixas e caixinhas, fitas e fitinhas.
Exercício imaginativo interessante: estando os portugueses esmifrados pela incrementação de uma "economia de guerra", quantos foram os embrulhos feitos a partir de lojas de chineses ou, pelo menos, por eles etiquetados?
Milhões, com certeza. E a opção de compra terá sido feita na base dos preços sem concorrência de uma panóplia de artigos, mercê da capacidade produtiva mas também por troca de salários de miséria e inexistência de compensações de carácter social no gigante asiático.
É a vida, argumentarão muitos...
Nada contra os chineses. Assim como assim, são detentores da segunda economia mundial e pela construção de um país/dois sistemas dão hoje cartas à escala planetária. Influenciam e decidem, ou não fossem os principais credores da monstruosa dívida do Ocidente.
Os chineses são, de facto, contrastantes por estes dias. A compra de 21,35% da EDP por 2,7 mil milhões de euros na base de uma pirâmide negocial susceptível de chegar aos oito mil milhões de euros é bem-vinda à economia portuguesa e, em simultâneo, representa uma tomada de posições estratégicas mais vastas, graças à ramificação internacional da própria EDP. O meganegócio agora fechado é, porém, apenas a chamada cereja no topo de um bolo feito de pequenas e médias incursões económicas. As prendas baratinhas pelas quais os portugueses se terão guiado nos últimos dias são só um exemplo de como, aos poucos, a interdependência global acabará por transformar-se em sentido único.
Um dia, mais cedo do que tarde, perceber-se-á como Portugal também se transformará em mera plataforma logística do gigante asiático e na qual aos trabalhadores nacionais restarão duas opções: ou o desemprego ou baixos salários, sem quaisquer garantias de respaldo social.
Quando assim for este Natal triste tenderá a ser pior. Poderá até ter mais calor humano mas haverá (ainda) menos embrulhos.
Num cenário assim, de retrocesso nas actuais condições de vida, resta uma alternativa: aproveitar o melhor de hoje.
Viva o Natal!