Confesso-me baralhado. As estatísticas dizem-me, desde o tempo em que ainda havia pleno emprego, que a natalidade em Portugal está num processo de descida contínua. Talvez por tanto ouvirmos gabar a nossa capacidade de reduzir a mortalidade à nascença, decidimos que não era preciso fazer tantos filhos. Se assim o pensámos, melhor o fizemos: superámo-nos, conseguindo o título no campeonato da taxa de natalidade mais baixa. Nem mais nem menos: a menor da Europa. Já que não pôde ser no futebol...
Corpo do artigo
Embora, pensando bem, se fazemos cada vez menos filhos vai haver cada vez menos base para termos uma selecção condigna: ora aí está uma motivação que escapou à comissão que fez o relatório sobre a natalidade! Sem um aumento da taxa de natalidade, nunca mais teremos uma selecção campeã (os clubes, esses, já o perceberam há muito - no Porto, entre sul-americanos e espanhóis, o mais próximo que há de português é um sujeito que nasceu na Andaluzia). Não admira, por isso, que o capitão da selecção de Sub-19 tenha o apelido portuguesíssimo de Podstawski! Os imigrantes a fazer o que os portugueses não querem. O habitual.
Dizia eu que estava baralhado: olhava para as estatísticas e a natalidade sempre a descer. Isso era o que as estatísticas me diziam! As estatísticas. Porque, olhando à volta, tinha razões para duvidar. Não que se vejam muitas barrigas grandes (ou melhor, vêem-se mas não são "dessas"). Basta, porém, ir a um qualquer centro comercial para perceber que as coisas devem estar a mudar: todo e qualquer lugar de estacionamento, reservado a grávidas ou pais de crianças pequenas, estão sempre ocupados! Seguindo os critérios jornalísticos, se isto não é prova de que as estatísticas estão erradas, então são provas de quê? Bem sei que, no outro dia, de um dos carros que estacionou nesse espaço, saíram dois barbudos mas, depois da Conchita ganhar a Eurovisão, do casamento gay e da inseminação artificial não me custa a crer que um deles estivesse grávido.
Quando partilhei com um colega estas convicções, tive um choque. Que não! Economista encartado, explicou-me que os lugares estarem ocupados era uma prova de maturidade democrática e do crescente grau de informação da população. Sensíveis ao apelo do Governo para a melhor utilização dos recursos, e sabedores da queda da natalidade, os portugueses perceberam que aqueles lugares iriam ficar vagos, obrigando-os a consumir mais alguma gasolina, solas de sapatos e tempo sem qualquer necessidade: estacionar mais perto das portas é uma missão patriótica! Fez-se-me luz. Será, decerto, também por razões patrióticas que os donos de cães usam todo e qualquer relvado como latrina para os seus bichos. Na verdade, que sentido faz um espaço verde não utilizado? Dar-lhe uso é um imperativo pátrio. Se não há crianças, por que não os cães? E, na verdade, haveria alguma razão para lhes ser dada prioridade? Isso de ter crianças é uma moda em desuso: não só fica caro, muito mais caro do que ter um cão, como prejudica a produtividade - deixa-se de trabalhar durante uns meses, dorme-se mal, produz-se menos. Tudo o que não queremos. Arrasado com a argumentação do meu colega, exclamei: a prova da nossa maturidade democrática seria termos um partido dos animais! Já temos, disse-me! Fiquei inchado de orgulho: vê-se bem que foi este povo que deu novos mundos ao Mundo.
Estava eu nestas cogitações quando me surge a notícia que uma comissão, instituída pelo PSD para estudar o fomento da natalidade, havia produzido um relatório pleno de propostas. O seu presidente, um tal Joaquim Azevedo, teve o descaramento de sugerir que aquilo era um plano integrado, que o combate à redução da natalidade exigia uma estratégia e não apenas "tiro à peça". O PSD ainda alberga gente desta? Uma desilusão! Que desmancha-prazeres! Mas não ficou sem resposta. Passos Coelho logo lhe disse que era preciso fazer contas. É um homem de fibra, daqueles que quando assaltados e intimados a escolher entre a carteira ou a vida sempre responde: o dinheiro faz-nos tanta falta! Que noção clara das prioridades! Ditosa a pátria que um tal primeiro-ministro tem.