Não. Não é a mesma coisa. As palavras ditas com ameaças malditas do ex-ministro da Cultura João Soares não são comparáveis aos corninhos do então ministro Manuel Pinho no Parlamento, ou ao humor negro do ministro do Ambiente de Cavaco Silva, Carlos Borrego, misturando alentejanos e alumínio numa infelicidade sem fim após a morte de 25 pessoas que fizeram hemodiálise no Hospital de Évora.
Os dois últimos foram infelizes e acabaram infelizes. João Soares dirigiu e acabou dirigido, reclamando para si liberdade de expressão contra a liberdade de opinião dos outros. O ex-ministro, com a tutela da Comunicação Social, não podia "prescindir do direito à expressão da opinião e palavra". E demitiu-se. Costa aceitou. "Naturalmente".
Um ministro, como um deputado, um autarca e qualquer eleito para um cargo público, tem de saber conviver com a crítica. Tem de tratar com correção todos os cidadãos. E tem de saber respeitar a função que desempenha em qualquer circunstância, por mais que lhe apeteça reagir com azedume. Procurem nas redes sociais e vejam o desvario que por aí vai.
Este foi mais um. E às bofetadas ameaçadas por João Soares a dois cronistas não restava outro caminho a António Costa que não um puxão de orelhas público. Se é mau, para um Governo com apenas quatro meses, começar a perder carga, pior seria deixar passar impunes comportamentos arrogantes.
Mais difícil é partilhar da argumentação social-democrata de querer implicar António Costa no incidente, recuperando uma ultrapassada SMS a um jornalista dos tempos em que o agora primeiro-ministro era ainda oposição. Ao intervir, Costa demonstrou que não pactua com uma forma de estar censória e mal-educada. Insistir no contrário para justificar a chamada do ministro que já deixou de o ser ao Parlamento revela alguma incoerência e aproveitamento político.
Se quer ser oposição, o PSD nem sequer precisa de folclore. Mais vale focar-se nas políticas. Porque não basta ao PS fingir que dignifica a Cultura ao elevá-la à categoria de Ministério. Essa dignificação só será efetiva com verbas e propostas. E o erro de Soares não esteve apenas no uso adolescente e desabrido das redes sociais, ou numa demissão mal explicada do diretor do Centro Cultural de Belém. Esteve em não ter sequer mostrado uma estratégia para a Cultura. Com ou sem dinheiro.
O desafio do sucessor de João Soares será, por isso, difícil. Não lhe basta ser educado. Com um orçamento à míngua, é preciso um exercício arriscado para encontrar caminhos novos sem verbas para fazer flores.
DIRETOR-EXECUTIVO
