O crime de violação é abjecto e provoca forte repulsa e censura na comunidade. É um crime grave punível com pena de prisão de 3 a 10 anos, inserido na epígrafe Crimes contra a liberdade sexual do CP.
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Para mim, a violação é um crime que vai muito além da ofensa da liberdade sexual. É um atentado à integridade física e psicológica da vítima. É uma agressão pessoal, por isso deveria ser concebido como crime contra as pessoas. A tortura, a humilhação, o pavor que o violador provoca na vítima ultrapassa em ofensa e gravidade a liberdade sexual. É todo o seu corpo e a sua mente que são conspurcados. Sofre de dores físicas e de vergonha, injustificada, mas sente-a, entrando, muitas vezes, em depressão, isolamento e desconfiança. As sequelas psicológicas prolongam-se nos tempos e muitas vítimas jamais recuperam a alegria de viver e os afectos. O procedimento criminal depende de queixa, i.e., a vítima terá de o participar ao MP. É um crime de natureza semipública que tem em conta a tutela da esfera mais íntima da personalidade, i.e., o legislador entendeu que a vítima estaria mais protegida se a iniciativa do processo ficasse na dependência da sua vontade expressa. Pela lei 83/2015, foi contemplado o poder-dever do MP iniciar o procedimento criminal, sempre que o interesse da vítima assim o aconselhe. Porém, esta terá sempre de manifestar a sua vontade. Nesta altura, invocando o mesmo direito de protecção, circula carta aberta dirigida à AR e realizam-se colóquios e seminários defendendo a natureza pública do crime, ou seja, o procedimento criminal não depende da vontade da vítima. Os defensores desta tese alegam que assim se liberta aquela de uma nova opressão, obrigando-a a tomar uma decisão sobre a instauração do processo. Confesso que tenho dúvidas. A vítima terá sempre de intervir na investigação e no julgamento do agente. A realização de exames, de perícias e a sua inquirição serão sempre diligências essenciais à boa decisão da causa. Obrigá-la contra sua vontade a intervir no processo não será violentá-la de novo? Sujeitá-la, contra sua vontade, à exposição argumentária da defesa do arguido não constituirá uma nova violação psicológica? Seja qual for a solução terão de prevenir-se e evitar-se novos ultrajes e sofrimento da vítima. Esta terá de ser acompanhada por psicólogo(a) nomeado(a) pelo tribunal logo que o processo se inicie. As diligências devem ser levadas a cabo por autoridade judiciária e órgão de polícia criminal especialmente vocacionados e formados para tratar com este tipo de crime. Deverá incentivar-se a tomada de declarações da vítima para memória futura, i.e., de diligência presidida pelo juiz de instrução e cujas declarações poderão ser tidas em conta na fase de julgamento. É fundamental uma protecção efectiva da vítima e, para que assim seja, importa reflectir, discutir e sopesar as vantagens e os malefícios que poderão redundar para a vítima duma alteração precipitada da lei.
*Ex-diretora do DCIAP
A autora escreve segundo a antiga ortografia