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Há várias décadas que se tenta definir, em Portugal, as regras e os apoios a crianças e jovens com necessidades educativas especiais de caráter permanente, devido a situações como a surdez, cegueira ou baixa visão, perturbações do espectro do autismo, multideficiência e surdo-cegueira congénita. Apoios que permitam o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, a promoção da igualdade de oportunidades, a preparação para o prosseguimento de estudos ou para a vida profissional. Não temos sido bem-sucedidos.
Em 2023/24, estavam referenciadas mais de 93 mil crianças e jovens com necessidade daqueles apoios, número superior ao observado em 2017/18, da ordem das 78 mil. Se recuarmos um pouco mais no tempo, verificamos que, nos últimos 25 anos, o número de crianças e jovens referenciados para beneficiar de apoios educativos especiais duplicou.
Aumentou o número de docentes envolvidos na educação especial, diversificaram-se os apoios, mas não existem relatórios que nos permitam compreender a crescente referenciação de crianças e jovens. Não dispomos de uma avaliação dos resultados das medidas ou de relatórios de acompanhamento sobre a concretização das regras. Não temos, portanto, um conhecimento sistematizado das práticas e dificuldades enfrentadas pelas escolas, designadamente as escolas de referência especializadas nos diferentes tipos de deficiência ou incapacidade.
Apesar disso, alguma da informação estatística publicada indicia que cerca de metade das crianças e jovens sinalizados têm simplesmente perturbações da aprendizagem e défices de atenção/hiperatividade. São relativamente mais do que as crianças e jovens com perturbações do espectro do autismo e neurocognitivas, ou limitações auditivas, de visão, motoras ou outras relacionadas com doenças crónicas.
A situação agravou-se nos últimos anos, porque se diluiu o conceito de “necessidades educativas especiais” no conceito muito mais abrangente de “educação inclusiva”, onde cabe toda a diversidade de necessidades educativas. Esta diluição, que se traduz numa recusa em chamar as coisas pelo nome e numa abordagem indiferenciada de todas as situações, acaba por tornar muito difícil a especialização e a organização de respostas adequadas às crianças e jovens com deficiências ou incapacidades permanentes, respostas que são muito exigentes do ponto de vista dos recursos técnicos especializados e dos recursos financeiros. Ficamos com menos recursos para resolver a situação dos que têm mesmo necessidades especiais e sinalizamos, com o risco de estigmatizar, demasiadas crianças e jovens.