Corpo do artigo
A vitória inequívoca do PSD no mapa autárquico, antes dominado pelo PS, é o desenrolar de um novelo evidentemente fundado numa viragem inequívoca do país à Direita, acompanhado pelo desaparecimento em combate da capacidade da Esquerda em aglutinar um pensamento comum e uno no que respeita às prioridades e exigências que reclama para o país. O mais visível espelho poderá ser admirado na forma como o PS se escondeu de Manuel Pizarro no Porto e se confundiu com Alexandra Leitão nas alianças em Lisboa. A incapacidade de encontrar um modelo ou uma política comum de alianças no país autárquico conduziu a Esquerda a mais uma derrota que só acentua o seu comportamento errático e as suas crises de afirmação ou liderança, num momento de completa negação da táctica e da lógica.
Ao invés de procurar um caminho de afirmação solitário ou de uma consistente frente unida, a fragmentação da Esquerda é um caso de estudo de irracionalidade e de afronta aos seus interesses próprios. Talvez por ter gozado demasiado tempo de uma maioria absoluta, com ou sem amparo, o PS palmilha agora um caminho indeciso onde se exige clareza nas opções: ou alinha num recentramento que impeça a transmissão em cadeia dos votos dos moderados do bloco central (deixando espaço para crescer ao espectro à sua esquerda) ou abraça uma política de alianças estável e entendível por todos, mais alargada e capaz de comunicar um projecto comum. Mais do que saber se Pedro Nuno Santos tem ou não razão ao responsabilizar a falta de unidade da Esquerda pelos resultados eleitorais do passado domingo, importa entender a importância da questão que coloca.
Nas eleições autárquicas de domingo, o PSD conquistou não só o maior número de câmaras municipais, como também seis dos maiores municípios do país, amealhando 1447 das mais de três mil juntas de freguesia, recuperando a liderança da Associação Nacional de Municípios Portugueses e da Associação Nacional de Freguesias. A extrema-direita celebra a subida face às anteriores autárquicas e coloca-se em posição decisiva para a governabilidade de muitas câmaras no país, caso os vereadores independentes não salvem a governação por pesca à linha. À esquerda, assistimos a uma negação em grupo. O PS contenta-se com vitórias pontuais, o Livre espera por melhores dias dando boleia aos tacticismos, o BE assiste sem acção ao avistamento do fundo de um poço e o PCP, criando para destruir, arruína uma vitória em Lisboa ao apostar numa figura forte a quem o Comité Central não vai sequer querer dar asas. Visão comum, zero à esquerda. Tiros nos pés é pouco quando assistimos a uma amputação à medida do destino ou tragédia por opção.
(O autor escreve segundo a antiga ortografia)