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De forma deliberadamente exagerada, o título desta crónica procura chamar a atenção para a imperiosa necessidade de retirarmos os casos e casinhos da saúde do folhetim mediático gerado pela guerrilha partidária e pela necessidade de criar assuntos e polémicas, na sua maioria com grande artificialidade, que serve o propósito de alimentar uma oferta claramente sobredimensionada de canais noticiosos de televisão.
Não está e nunca poderá estar em causa o acesso à informação ou o escrutínio público. Mas, torna-se cada vez mais difícil de aceitar todas aquelas charlatanices, muitas vezes sob a capa do direito de informar ou até do chamado jornalismo de investigação, em que nos impingem, em formatos análogos, tanto a crise das urgências de ginecologia e obstetrícia como um qualquer daqueles dramas associados à transferência de um jogador de futebol.
Julgo que já todos nos apercebemos de que a grande maioria dos temas associados à saúde, em particular ao modelo organizativo e de funcionamentos do sistema nacional de saúde e às suas implicações na vida de todos nós, são demasiado complexos para serem tratados com a ligeireza com que o têm sido e suficientemente importantes para que deixemos que os mesmos fujam ao escrutínio, nomeadamente da opinião pública.
Interrogo-me a este propósito sobre o que ganhamos então, nós cidadãos, financiadores e inevitavelmente beneficiários do sistema, com este estado de coisas? Nada, creio que será a resposta óbvia e consensual.
O que, consequentemente, suscita que nos interroguemos sobre a quem, então, poderá interessar? Resposta que me parece menos óbvia e certamente menos consensual, que me atrevo a ensaiar da forma seguinte: interessa ao intrincado e interdependente puzzle formado pelas corporações e pelos lóbis da saúde, que são muitos, uns mais formais do que os outros e, de uma forma geral, todos legítimos e contraproducentes.
Reconhecendo que há muito de simplista nesta tentativa de resposta, arrisco-me a ir mais longe ao acreditar que a principal estratégia destes grupos de pressão - cujos interesses, naturalmente, nem sempre estão alinhados com os de todos nós - é amplificarem, suportarem e mesmo provocarem as ofensivas das oposições a quem está no Governo, assim elas sirvam os seus propósitos.
E aqui chegados, se queremos de facto mudar alguma coisa não deverá ser pela limitação da atividade das corporações, mas antes retirando as temáticas da saúde da guerrilha partidária, porque inibidora da necessária decisão e ação. Se o não fizermos rapidamente, esta, que será a nossa maior realização social, corre sérios riscos de se desintegrar.
E como? Pela assunção do caráter excecional do tema e da necessidade e vantagem em envolver todos na sua boa gestão. Ainda que nos queiram fazer ver noutra direção, a realidade é que a esmagadora maioria dos desafios que enfrenta o sistema nacional de saúde - onde tem peso preponderante o serviço nacional de saúde (SNS) - são de caráter e perfil técnico e não político.
E é precisamente neste ponto em que deveria entrar uma estrutura como a Direção Executiva do SNS: gerida pelos mais competentes, munida das mais modernas ferramentas de gestão, independente do Governo. A este caberia trabalhar as bases de todo o sistema, numa visão integrada das várias políticas sociais. E neste sonho de uma noite de verão, Ministério dos Assuntos Sociais faria, claro, mais sentido do que Ministério da Saúde.