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Não, não é fácil estar na Oposição quando, depois de se pintar o Diabo, o que se tem para emoldurar é qualquer coisa em tom celestial que, trágica ironia, até leva a marca do Demo, que é como o FMI é encarado por grande parte da Esquerda.
Que sentimento de traição, quando os mesmos que antes sentenciavam amargas metas são os que agora vêm prever que o crescimento projetado pelo Governo para este ano até é modesto e que, com alguns ajustes, 2017 pode ser encarado com serenidade.
Não, não é fácil escolher como grande tema de combate político a Caixa Geral de Depósitos e depois ter de lidar com um relatório do Tribunal de Contas que diz que no período em que estivemos no Governo fomos negligentes. E é mesmo muito complicado manter baterias assestadas quando, depois de uma gestão desastrada, o Executivo nomeia para liderar o banco um nosso antigo ministro.
Nada corre bem a Passos Coelho, mas isso não deveria ser razão para o PSD se manter como uma oposição abúlica, porque quem fica a perder não são os sociais-democratas, é a democracia, que necessita do contraponto e da crítica para funcionar devidamente.
As vestes quase messiânicas que Pedro Passos Coelho continua a envergar, de pin na lapela, necessitam de ser trocadas pelo fato-macaco de quem saiba ir buscar o Diabo que está nos detalhes. Bastava pegar no próprio relatório do FMI para perceber que lá está a exiguidade do investimento público ou as críticas ao crescimento económico anémico. Foi isso que Assunção Cristas fez, é nisso que o PSD, que parece cada vez mais reduzido ao líder e a meia dúzia de vozes, não soube ou não quis fazer.
É verdade que Passos Coelho disse que não tinha de se "reinventar" e que ninguém lhe perdoaria se se transfigurasse naquilo que não é. É verdade que a aliança presidente/primeiro-ministro é difícil de superar, especialmente com resultados económicos favoráveis. Mas, passado um ano sem que se abata sobre todos nós a tragédia que ele achava inevitável, começa a ser cada vez mais difícil não olhar para o líder do PSD como um acidente em câmara lenta.
O país vai incorporando as mudanças, interrogando-se sobre um mundo em sobressalto, e ele lá está, praticamente inamovível. E, por isso, bem pode pedir Passos Coelho "paciência" aos militantes, que eles cada vez mais vão começar a deitar o olho ao rio que ameaça subir e submergir a estátua esfíngica em que ele parece estar transformado.
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