Esta semana, o primeiro-ministro decidiu dar duas grandes entrevistas e deixar-se inquirir por alguns jornalistas, como há muito tempo não fazia. Não é de um dia para o outro que, normalmente, estas coisas se decidem. Regra geral, os assessores negoceiam o tipo de entrevista, o seu enquadramento e o seu formato, e fazem-no com antecedência suficiente para o entrevistado ter tempo para se preparar. Passos Coelho tinha informação de que os dados referentes à evolução da economia portuguesa no terceiro trimestre eram razoáveis e, por isso, resolveu assumi-los como seus. Tinha apenas que esperar pela sua divulgação pelo Instituto Nacional de Estatística.
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No seu ponto de vista, como resultou do que disse nas entrevistas, Portugal está no bom caminho e os sacrifícios que foram impostos aos portugueses não o foram em vão. Preparou, assim, este seu grande momento para provar que sempre esteve no caminho certo e para se poder concluir que soube resolver com visão de futuro a crise política de julho. Tão grande é o entusiasmo com estes dados do último trimestre, que, no PSD e no Governo, até já se admite que as eleições legislativas de 2015 podem não estar ainda perdidas. Mas que resultados são estes, referentes à nossa vida, que deixam a maioria tão confiante?
Desde logo, há que reconhecer que estes dados são menos maus do que o que se esperava. Tal facto só pode ser considerado uma boa notícia, apesar de os elementos conhecidos estarem bem longe de justificar grandes euforias.
O que mais contribuiu para este impulso mediático do Governo parece ter sido o crescimento do produto interno bruto e do emprego, pelo segundo trimestre consecutivo. O PIB cresceu 0,2% face ao período anterior, mas diminuiu 1% face a idêntico período do ano passado. Ou seja, estamos mais pobres em outubro de 2013 do que estávamos em outubro de 2012 (e aqui já estávamos mais pobres do que no ano anterior). No emprego, a realidade é a mesma - melhorámos o emprego em 1,2% face a junho, mas recuámos 2,4% face a igual período do ano passado. O único elemento consistente vem, de facto, do crescimento das exportações. O que os dados parecem indiciar é que, finalmente, batemos no fundo.
A situação, quem a definiu com uma clareza por todos entendível foi Manuela Ferreira Leite. É como estarmos numa economia de pós-guerra, disse: descemos tão baixo, que agora já só podemos crescer.
Não foram, porém, só os dados agora tornados públicos que impulsionaram o primeiro-ministro para esta incursão telejornalística. Foi, também, a convicção de que o renegociado défice de 5,5% vai ser atingido no final do ano. Com doping, é certo, mas atingível, apesar do chumbo do Tribunal Constitucional. Oxalá assim seja.
Mas há quem tenha escapado aos cálculos do primeiro-ministro quando agendou estas entrevistas. À cabeça, a senhora Lagarde. O FMI voltou a considerar ter colocado metas demasiado exigentes ao nosso país para a correção do défice das contas públicas. A diretora-geral admitiu, uma vez mais, terem sido cometidos erros e exigidos ajustamentos demasiado profundos relativamente ao programa para Portugal, considerando que o país deveria ter tido mais tempo para fazer a consolidação orçamental. A reação de passividade de Pedro Passos Coelho na entrevista diz tudo - "Realmente, é um bocadinho estranho, e não é só o português médio que estranhará esse tipo de afirmações... No Governo, também estranhámos...".
O Eurostat resolveu, também, não dar para a festa. Esta semana, fez saber que a queda do PIB em Portugal nos coloca a 76% da média comunitária, registando a maior queda do produto entre os 27 países da União Europeia. Triste recorde.
O Tribunal de Contas, por seu turno, junta-se às anteriores instituições e acusa o Governo de falta de rigor e fiabilidade no seu relatório à aplicação do memorando de entendimento, arrasando o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central do Estado.
Percebe-se que quem tão castigado tem sido pela opinião pública se agarre ao que pode para aliviar a pressão e para ganhar alguma folga. Mas o que é facto é que, apesar dos indicadores menos maus, nada está ainda seguro. Como agora se prova pelos dados publicados, a decisão do Tribunal Constitucional relativamente ao Orçamento de Estado para o ano em curso veio atenuar o desastre, ao contrário do que afirmou então a maioria. Com o orçamento que foi aprovado, 2014 arrisca-se a ser pior do que 2013. A menos que, de novo, nos valha o Tribunal Constitucional.