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João Soares referia-se, anteontem, a Manuela Ferreira Leite como a "outra senhora". Fez mal. Quem tem memória sabe que a "outra senhora" tem uma carga ofensiva que não deve ser colada à líder do PSD, goste-se ou não do que ela tem dito. E quem não tem memória do salazarismo, como grande parte do actual eleitorado, passa ao lado, estranhando até a não nomeação da adversária, regra de elementar boa educação entre oponentes políticos, tão feia como a troca de nomes propositada a que alguns também gostam de deitar mão. São truques velhos que não dão resultado. João Soares devia saber disso, devia estar recordado de como perdeu Lisboa para Santana Lopes, invocando a despropósito todos os santos antifascistas como se o seu adversário fosse uma reincarnação de Salazar e a democracia estivesse em perigo. Esqueceu-se João Soares e, pelos vistos, também o PS. É mau caminho
Mas, é destas coisas que se vai fazendo a campanha, vazia de ideias, muito pouco interessante. Sócrates é definitivamente um culpado. Muito antes da campanha se iniciar, Ferreira Leite chamou-lhe coveiro, designação que todos os líderes da oposição parecem apoiar. Numa campanha sem grande verdade, só o primeiro-ministro parece recordado de que houve - há ainda - uma crise internacional. O desemprego cresceu, o défice, que estava contido, voltou a disparar, os impostos não baixaram, mas os líderes da oposição estão cegos perante a situação internacional. Em que pode, afinal, o eleitorado acreditar, ou estará ele também amnésico?
O próprio primeiro-ministro, antes orgulhoso de ser um animal feroz, veste a pele de um falinhas-mansas, preocupado por ter sido indelicado com os professores ou por não ter explicado bem as políticas do Governo. Ora, se houve coisa bem explicada foi a razão de uma avaliação séria aos professores, se houve coisa que muita gente percebeu e apoiou foi o ataque firme a alguns lóbis arreigados na sociedade portuguesa. Sócrates fica com um pé lá e outro cá, receoso das sondagens, ainda abalado pelo resultado das europeias. E o eleitor que nele confiou, que dirá, que primeiro-ministro terá?
Ferreira Leite nada promete. A estratégia do "não me comprometo" adequa-se a estes tempos vazios de ideias, é uma táctica oportunista em que se criticam as medidas dos outros mas nada se diz sobre como proceder. E depois recorre-se a alguns chavões, como o já estafado, mas ainda rentável, papão espanhol e o da carga fiscal que já não pode subir mais. Cai sempre bem. A seu favor, a líder do PSD tem a pacificação do partido, sempre pronto para se aproximar do poder.
Mais à esquerda, o trotskista Louçã abanou nos debates, em que era difícil conciliar a vastidão de um programa de muitas abrangências mas, de regresso à estrada, continua a brilhar, embalado por sondagens que já o colocam bem acima, por exemplo, do que os renovadores de Eanes obtiveram nas únicas eleições em que brilharam. Só uma bipolarização final da campanha - pouco provável - abalará o BE.
Vão-se, entretanto, tocando PP e CDU: campanhas inteligentes viradas para dentro, para o seu eleitorado. Jerónimo aguenta o partido e estaria muito bem não fosse o contínuo crescimento do Bloco. Portas marca terreno. Ultrapassada uma fasquia mínima, só tem a ganhar, pelo menos enquanto for claro que o PSD, para ser Governo, sempre precisará do PP. E se a soma a tanto não chegar, não será Portas o derrotado, mas sim a líder do PSD.
Dir-se-á que o tempo custa a passar, perante a ausência de novos motivos de interesse. Resta a esperança de as sondagens de fim-de-semana, reflectindo já sobre os debates televisivos, poderem trazer números diferentes que aqueçam os últimos dias de debate. É pouco provável.