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Uma enorme, escura e espessa nuvem de fumo paira no céu escondendo o Sol. O ar é pesado, difícil de respirar. A fuligem, impercetível, acumula-se nas narinas. A paisagem é dantesca, desoladora. As colinas negras a perder de vista, os troncos calcinados e no horizonte o clarão das chamas que continuam a avançar ameaçando outras povoações. O Alto Minho foi mais uma vez palco de um grande incêndio. Foi assim há dez anos e há cinco, embora menos violento. Este foi o pior de sempre. Por mero acaso não estava lá desta vez. Nas outras vezes pude partilhar com a vizinhança o medo, a angústia, a impotência e até mesmo a revolta de quem tem dificuldade em aceitar uma desgraça que parece ser recorrente, aqui e em todo o país. Preocupado, telefonei a um amigo que tem casa no extremo do povoado: "Vasco, está tudo bem convosco?" A resposta revela a dimensão da catástrofe: "Andou muito perto. Ardeu tudo. Não tem mais nada para arder, já não há perigo".
Todos os anos, nesta altura, os incêndios são notícia. São manchete de jornal, abrem telejornais e alimentam reportagens e diretos. O país assiste impotente a esta destruição do seu património florestal, por vezes marcada pela perda de vidas humanas. Todos os anos, quando a época estival começa, anuncia-se que a Proteção Civil está preparada com os meios humanos e materiais adequados. O dispositivo operacional está montado e pronto a combater os incêndios que vierem. Sim, estamos focados no combate ao fogo, não na sua prevenção. Várias perguntas me ocorrem: temos um efetivo mapeamento da floresta em Portugal identificando quem é responsável pela sua gestão e manutenção? Como se repartem as responsabilidades entre os poderes central, regional e local e o setor privado? Que políticas foram adotadas para melhorar o planeamento e o ordenamento florestal? Que políticas e que medidas foram tomadas para manter operacionais as vias existentes e melhorar as acessibilidades? Que se tem feito para promover e obrigar à limpeza das matas e evitar que o combustível se acumule ano após ano? Temo que a resposta a algumas nos deixará preocupados. Mudar a situação impõe obrigações, exige investimentos na gestão e manutenção. Impõe custos. Mudar mexe com a inércia existente dos responsáveis públicos e privados, impondo custos políticos. Será que, por parecer uma fatalidade, é mais fácil impor ao país o custo anual dos incêndios e do seu combate?
Consta que Nero tocou lira enquanto Roma ardia. Nós vemos na televisão as chamas do país a arder feitas espetáculo mediático. Resta-nos a confiança nos muitos milhares de bombeiros, militares e populares, os verdadeiros heróis desta tragédia.
*ECONOMISTA