Eu vou morrer. Vamos todos morrer. E ainda bem. Seria uma catástrofe de proporções bíblicas se se tornasse realidade o cenário ficcional em que as pessoas deixavam de morrer, inventado por Saramago no livro "As intermitências da morte".
Corpo do artigo
Privada dos 100 mil mortos que o país produz anualmente, a fileira da morte abria imediatamente falência. A Segurança Social colapsava. E duvido que as finanças da Igreja aguentassem o choque da perda das receitas das cerimónias associadas ao passamento dos fiéis.
Ainda bem que vamos todos morrer, mas enquanto por cá andamos não podemos relaxar. É bom que o défice de 2013 vá ficar nos 4,2% ou 4,3%, abaixo dos 5,5% prometidos à troika. Já não é bom que isso tenha sido alcançado à custa do colossal aumento de impostos e de cortes nas pensões, apoios sociais e salários da Função Pública.
As contas públicas estão a endireitar-se, mas há ainda muita montanha para subir, até porque continuamos a gastar mais sete mil milhões de euros do que recebemos.
Para que o equilíbrio orçamental não assente em impostos altos e cortes permanentes, há que investir no crescimento e estar atento às novas tendências, como a do brutal aumento da procura do Panteão, induzido pela morte do Eusébio. Há que aproveitar a moda para arranjar mais dinheirinho para reduzir o défice e/ou abater na dívida.
Acanhado, o Panteão Nacional não tem espaço suficiente sequer para acomodar todos os nossos compatriotas que morreram depois de se libertarem da lei da morte - e por isso há gente em lista de espera (Eusébio, Sophia, Salgueiro Maia, etc.). Impõe-se, por isso, sem mais demoras, candidatar ao financiamento pelo QREN 2020 um faraónico projeto de ampliação do Panteão, que daria uma mão preciosa à sobrevivência da construção, um setor que está às portas da morte.
A questão da obra ser em Lisboa, onde a riqueza é superior à média comunitária, seria ultrapassada pelo argumento do famigerado efeito dispersão, até porque o Panteão estaria aberto a receber mortos oriundos de todo o país.
Há também que aproveitar as novas ferramentas do marketing. Por que não negociar com a Servilusa os direitos de naming do Panteão, que permitiria encaixar uns milhões extra? E como hoje nada é de borla, não me parece mal vender o acesso ao Panteão, talvez a uns 50 mil euros por pessoa? Se as empresas pagam fortunas por lugares VIP no Rock in Rio ou nos camarotes dos estádios, por que não hão de patrocinar o último repouso dos nossos ilustres? Estou em crer que a nova editora de Saramago teria todo o gosto em patrocinar a última viagem a Portugal do nosso Nobel.
Depois temos de ser proativos. Se há gente prevenida que paga em vida o seu funeral, por que não aproveitar esta predisposição para vender lugares no Panteão por antecipação?
Se calhar, a Nike está mortinha por alargar o patrocínio ao Ronaldo para além do seu desaparecimento físico, e por poder anunciar que quando chegar a hora dele, terá direito ao mais majestoso espaço (uma pirâmide?) no Panteão Nacional - e que porá já a concurso, para prévia aprovação do CR7, o projeto de desenho do espaço e a sua decoração. O que é preciso é faturar!