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Apesar de não ser muito achacado a sonhos, em tempos fui atacado por um pesadelo em que da Reitoria da UPorto ligavam a dizer que me faltava fazer um exame para acabar a licenciatura. Valia-me, ao acordar, o certificado de habilitações (que há mais de 30 anos convive com a carta de curso dentro do canudo arrumado no cimo de uma estante) que desmentia o pesadelo.
Nunca esquecerei o alívio que senti ao instalar-me na esplanada da Botânica, após ter feito o meu último exame, de Teoria da História, para o qual estudei com os meus amigos Luís Miguel Duarte (medievalista e catedrático na FLUP) e João Arriscado Nunes, que se tornou sociólogo, é professor universitário em Coimbra e se casou com a nossa antiga colega Lurdinhas que, soube noutro dia, é conselheira do Papa Francisco, que é provavelmente a melhor surpresa que 2013 nos deu.
Em conversa com gente entendida nos mistérios do nosso sótão, aprendi que o pesadelo da cadeira em falta não era uma singularidade minha, mas antes uma coisa recorrente e elucidativa do trauma que os exames são na vida de estudante.
No entretanto, o pesadelo deixou de me visitar, o que só pode ter a ver com o facto de eu ter compreendido que no dia a dia estamos sempre a ser postos à prova e examinados, num exigente processo de avaliação contínua. Daí até perceber que os exames escolares nos preparam para a vida, foi só um passo.
Nada teria contra a prova de avaliação dos professores, muito antes pelo contrário, se ela fosse à entrada da carreira, integrasse um processo rigoroso de acesso à profissão e fosse concebida de modo a aferir as suas capacidades pedagógicas e inteligência emocional. Isso seria um sonho. A realidade é o pesadelo de uma prova de avaliação infantil, desnecessária e leviana.
A prova inventada por Crato não passa de um expediente para justificar despedimentos. Com cerca de 220 mil pessoas sob contrato, o Ministério da Educação é o maior empregador do país e gasta em salários 70% do orçamento. E o FMI recomendou que para poupar 300 milhões/ano despedisse 14 mil dos 112 mil professores das escolas públicas.
Expediente para Crato, a prova é um pretexto para os sindicatos afirmarem força e poder, com a FENPROF a radicalizar-se e a FNE a tentar retirar dividendos de ter poupado 25 mil professores ao exame.
A prova de avaliação é uma batalha da guerra entre Crato e os sindicatos e da disputa de quota de mercado entre a CGTP e a UGT. E como é habitual em todas as guerras e disputas, quem se lixa são os soldados.
Tudo isto é muito triste. Depois de vermos polícias a furarem um cordão policial para invadir as escadarias do Parlamento, só nos faltava mesmo ver professores, que têm de dar exames e impor disciplina nas salas de aula, a recusarem os exames, queimarem as provas e comportarem-se como gunas, dando um péssimo exemplo a 1,2 milhões de alunos do Básico e Secundário.
Crato não precisava de humilhar os professores para os despedir. Para manifestarem o seu protesto contra Crato, os professores não precisavam de se humilhar. Ninguém ficou bem na fotografia.