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Os discursos de líderes políticos de um enorme número de países e debates realizados esta semana na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito da Semana de Alto Nível - ponto alto da evocação dos 80 anos daquela importante instituição mundial -, evidenciam que podemos estar às portas de uma perigosa desordem internacional. A expressão "o Mundo está de pernas para o ar" tem uma preocupante atualidade. Trump assumiu, de forma ofensiva, que a ONU ou é coadjuvante da política dos Estados Unidos da América, ou não deve existir.
O multilateralismo respeitador dos direitos dos povos e dos países foi reclamado em muitos discursos, mas é evidente a sua crise. Os perigos e custos da guerra foram lembrados, mas não se vislumbram predisposições para encetar a construção de caminhos de paz. Trump abordou este tema num misto de patetice e mentira. Isto é grave, pois os Estados Unidos da América (EUA) continuam a ser a maior potência e o país mais envolvido em conflitos no Mundo. A realidade cognitiva do presidente dos EUA é complexa e ele usa-a na produção de imprevisibilidades e "gafes". Num curto espaço temporal diz tudo e o seu contrário sobre qualquer tema. Esta caraterística associada à imbecilidade da sua corte, interna e externa, e ao primado do negócio nas relações políticas, transformam-no num instabilizador perigoso.
Muitos líderes reclamaram reformas na estruturação e nas missões da ONU, mas o ator que mais beneficiou da sua existência, os EUA (juntamente com alguns dos seus aliados), fez ataques negacionistas à sua missão e ação, favorecendo todos os que, de forma conjuntural ou estrutural, não se querem sujeitar ao direito internacional. Houve reclamação de soluções para as mudanças climáticas e ambientais, para o combate à fome, para uma mais justa distribuição da riqueza e para o trabalho digno, para o respeito pela igualdade entre os seres humanos, para que a ciência e a tecnologia estejam ao serviço de todos, mas Trump e seus seguidores esconjuraram tais objetivos. Impera o primado do negócio.
Nesta assembleia observaram-se três posturas distintas: i) Trump e seus seguidores tomaram a presunção da impunidade, atacaram tudo e todos, favorecendo o brotar do caos, mas foram tratados com condescendência face ao poder dos EUA; ii) líderes de "países emergentes" (Lula é um exemplo) rechaçaram a subserviência e afirmaram-se protagonistas para um mundo novo; iii) os líderes europeus expuseram divergências com os EUA/Trump, mas evidenciaram um enorme medo em sair debaixo da asa protetora.
Este perigoso cenário político acontece quando se constata que o neoliberalismo vai deixando claro que não é portador de alternativa para a governação das sociedades e que para prosseguir os seus objetivos precisa das forças ultraconservadoras e fascistas nos governos. A alternativa económica e política neoliberal traz no seu bojo o retrocesso social e civilizacional, e o fascismo.