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Esta foi uma semana horrível para os portugueses. A relevância dos acontecimentos nestes dias marca um tempo a partir do qual nada será como antes. Apesar do muito que já foi dito sobre o tema, é-me impossível não o abordar neste espaço de intervenção dominical. O injustificável conjunto de medidas anunciadas pelo Governo e a ligeireza e falta de conhecimento da realidade do país que elas demonstram desencadearam uma tal onda de reações e uma tão grande sintonia de opiniões que nem o gonçalvismo alguma vez atingiu.
Tendo o Governo pouco mais de um ano de vida, ninguém imaginaria uma tal fragilidade política num momento em que a situação do país exige precisamente o contrário. Já antes do anúncio deste pacote de medidas, a posição do Governo era desconfortável. Tinha-se ido já ao fundo da bolsa da maioria dos portugueses rapar os últimos cêntimos. A grande generalidade das famílias sobrevive já hoje com dificuldade e a classe média está a encolher perigosamente.
Daí que não se perceba a brutalidade e a inconsistência das propostas apresentadas. Foi-se pelo caminho mais fácil - o do aumento da receita em vez da contração da despesa. Os portugueses não aguentam mais impostos? Pois terão de aguentar.
À insensibilidade social e política que tudo isto demonstra junta-se a falta de preparação para ultrapassar uma tão dramática situação do país. Pedro Passos Coelho, apesar de ainda novo, tem uma larga experiência política. Como entender, então, este seu comportamento? Não se percebe, a menos que, com apenas um ano de Governo, esteja como António Guterres a meio da sua segunda legislatura - farto do Governo, farto do partido, impotente para se afirmar perante os barões, o que procurava era apenas um bom pretexto para bater em retirada. Não quero crer que seja esse o seu sentimento. Mas se é, não podia ter feito melhor.
Ninguém acredita que o caminho da recuperação seja este. Da direita à esquerda, dos patrões aos empregados, dos pensionistas aos desempregados, a convergência é enorme. A própria Igreja tem vindo a assumir posições muito críticas da atuação do Governo. Pedro Passos Coelho conseguiu mesmo que o líder do PS ficasse sem alternativa e com um único caminho a seguir - votar contra o Orçamento. Depois do que disse e como disse, qualquer outra atitude de António José Seguro seria um suicídio.
Todos têm sofrido com a política assumida por este Governo. Mas há uma classe de portugueses cujo sacrifício é mais duro e mais imoral do que para qualquer outra - a dos reformados. São pessoas que durante toda uma vida trabalharam, deram o melhor de si mesmos para ter um fim de vida tranquilo. Abdicaram de uma parte dos seus vencimentos durante dezenas de anos para o entregar ao Estado com a obrigação de este os gerir e devolver periodicamente quando já não pudessem trabalhar. Veem-se agora defraudados e sem defesa. O Estado contratualizou, cobrou e agora diz que não pode cumprir as condições assumidas.
Quantas famílias tinham as suas vidas organizadas em função de um rendimento que pensavam estável por acreditarem ser o Estado pessoa de bem e se veem agora em tremendas dificuldades? E que dizer daqueles que descontaram para sistemas de pensões privados e se viram empurrados para o público porque mitigar o défice era o único objetivo que importava?
Quem está no mercado de trabalho ou pode ainda vir a estar alimenta a esperança de um dia ver melhorar as suas condições de vida. E os reformados, que esperança lhes resta?
Alguns analistas e comentadores da vida pública têm vindo a referir a necessidade de, nesta fase de desgaste do Governo, se justificar uma remodelação ministerial. Pedro Passos Coelho afirmou na última entrevista à RTP que as decisões são suas e que o Governo atua por sua orientação. Para que serviria, então, uma remodelação? Mudar as caras para tudo ficar mais ou menos na mesma? O país não precisa de novas caras, precisa é de novas políticas.