Quando liguei o rádio ontem de manhã, ouvi um nome que já não escutava há algum tempo: Yokochi. É o apelido daquele que foi porventura o maior nadador português de sempre e que na minha juventude me lembrava de ouvir associado à queda de recordes nas piscinas. Mas não era Alexandre, o nadador, que falava, mas o pai Shintaro, o treinador de natação.
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Como disse um camarada jornalista, Shintaro Yokochi é o "nosso" sobrevivente de Hiroshima e era a propósito da passagem dos 70 anos da explosão da bomba atómica que ele recordava, na Antena 1, como a 6 de agosto de 1945 desatou a correr da escola para casa porque achava que tinha caído "o Sol do céu".
Passados 70 anos, são cada vez menos aqueles que podem evocar na primeira pessoa esse primeiro episódio do terror atómico capaz de, numa fração de segundo, ceifar a vida de 116 mil pessoas. Mas é importante que o façam, nestes dias em que a memória parece ser um dos bens mais escassos. Antes de tudo, para nos lembrarmos até que ponto pode ir o horror da guerra contra civis, até porque, como afirmou um dia o escritor John Hersey, "o que tem mantido o Mundo a salvo da bomba desde 1945, não foi tanto a dissuasão, no sentido do medo destas armas, mas a memória. A memória do que aconteceu em Hiroshima".
Mas também vale a pena quebrarmos a nossa rotina de procurar a última novidade do dia e aproveitar a data "redonda" para, evocando o passado, recordar que no presente ainda temos 15 695 bombas nucleares, com um poder muito mais destrutivo do que o engenho lançado pelo "Enola Gay".
Nestes dias de indignações instantâneas alimentadas a "likes", a memória é um incómodo, mas se a praticássemos um pouco mais poderia ser que ela nos ajudasse a evitar outros males, tal como nos dias de Guerra Fria nos terá ajudado a evitar o pesadelo nuclear.
O problema é que estando cada vez mais distantes no tempo, parecemos estar cada vez mais próximos de alguns dos piores momentos do século XX. Olhemos, por exemplo, a errática resposta da Europa para o problema das migrações. Não, não são só os milhares que atravessam o Mediterrâneo fugindo à guerra e à fome, é também o relato feito pela revista "Der Spiegel" que na Alemanha, entre janeiro e junho deste ano, os ataques às instalações daqueles que procuram asilo têm sido diários.
Faz lembrar alguma coisa? Pois, maldita (ou será bendita?) memória.