Tentar ler Marcelo Rebelo de Sousa, episódio 234. Não compreender nada, conclusão 234. Lição do costume: catalogar o presidente da República é certamente cativante, mas permanece um exercício condenado ao infortúnio.
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Não é normal (no sentido do instituído, do hábito, e não da gravidade do procedimento) que um chefe de Estado deseje boa sorte, em direto, a uma apresentadora de televisão no seu programa de estreia, no pináculo de uma guerra económica entre canais. E não é normal que esse mesmo presidente justifique o gesto como um mecanismo de compensação, em virtude de já ter tido idêntica cortesia para com o apresentador da estação rival. Cristina Ferreira chorou, as audiências da SIC rejubilaram, mas Manuel Luís Goucha não ficou propriamente com razões para celebrar (já para não falar de Sónia Araújo na RTP). Ainda assim, Marcelo apostou no "cavalo certo", ignorando os limites do aceitável que o país pensante lhe impõe e provando que os manuais políticos não são todos bússolas.
Marcelo, filho das elites, governa hoje contra as elites. De forma cândida, informal, privilegiando o toque, e sempre, mas sempre, movendo-se no palco televisivo, onde varre tudo à sua volta. Governo e Oposição. Marcelo não é um populista convencional. É um "popularucho" sofisticado. Dá-se com os políticos, mas tenta não ser como eles. Pelo menos nas coisas desprezíveis. Mesmo os que o toleram apenas por necessidade já se deixaram contagiar. A arena do poder está mais distendida desde que ele entrou na equação. Marcelo pode? Pode. Mesmo quando não deve. Porque na cadeia alimentar não há predadores acima dele. Talvez nunca voltemos a ter um presidente assim. Tão fácil de prever, tão complexo de situar. Ao querermos deitá-lo tantas vezes no divã, acabamos distraídos do essencial. É ele quem está na poltrona da cabeceira, não nós. Nunca fomos nós.
*DIRETOR-ADJUNTO