No momento em que escrevo, é ainda incerto o desfecho da aventura da Federação Russa na Ucrânia. E para palpiteiros e lamechices sem sentido, temos estado razoavelmente servidos desde que isto começou, muito obrigado.
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A nossa gloriosa "frente interna" dos sofás e das televisões, por exemplo, só na semana passada descobriu a "natureza" do PC. O pobre partido dos 4% de há um mês é, para a esquerda socialista e para o "mainstream" de direita ou de esquerda, praticamente um pária. Isto depois de o terem rebocado em 2015 para o "arco da governação". Talvez fosse mais útil aos prosélitos de serviço conhecer, lendo, alguma história antes de obrar sobre a superfície. Ninguém, eu, pelo menos, pretende discutir as virtudes ocidentais. Mas de uma coisa estou certo. A "nossa" democracia liberal não se exporta como activos do porco preto. Sem se compreender o eslavismo, e, sobretudo, o pan-eslavismo russo, dificilmente vamos lá. Putin restaurou a boa memória do Exército Vermelho. Sem o Exército Vermelho, aliás, o Ocidente ter-se-ia visto em vários apuros para derrotar a Wehrmacht, em 1945. Ao Mundo, Putin quis significar que a Federação Russa não aprecia sentir o adversário às suas portas, mesmo um aparelho administrativo-militar como a NATO, dominado por políticos reformados. Nunca a Rússia poderia admitir às suas portas um membro efectivo da organização. Vale a pena recordar o óbvio. A "razão de Estado" russa obriga não só a desconfiar, como a recusar ferozmente, quaisquer veleidades "equilibristas" de estados estrangeiros, leia-se, ocidentais, juntos ou separados, quanto a espaços da desmembrada URSS. Serão sempre vistas como um perigo para a sua segurança. E só em ambiente de conflito, e bélico, aceita discutir a coisa. A reacção do Ocidente ao episódio tem sido timorata - sanções económicas, proibições de voos comerciais, etc. -, porque entretanto o neocapitalismo russo entranhou-se no "nosso". Tal como o chinês, uma rapaziada que guarda de Conrado prudente silêncio. Mal a Alemanha - e logo ela, dirigida presentemente pela esquerda liberal coligada - falou em enviar armamento para a Ucrânia, Putin respondeu com o dissuasor nuclear. Parece, todavia, que a logística militar da Federação, alegadamente em auxílio das novas repúblicas populares acabadas de reconhecer, não previa a resistência militar e miliciana ucraniana. E os soldados russos viram-se transformados em personagens inesperadas de Stendhal, perdidos no seu Waterloo do Don intranquilo. O que talvez possa colocar a questão da "teoria da facada nas costas", agora em russo. Uma das causas da emergência da II Guerra Mundial assentou na sentida vergonha alemã pela humilhação de Versalhes. Os militares da frente de 1918 sentiram-se traídos. O vexame, recordam-se decerto, produziu um famosíssimo oportunista que destruiu a Europa. De um Ocidente peripatético em 2022, o mais que se pode esperar é que, na Federação Russa, se a aventura militar correr definitivamente mal, haja por lá quem sinta a referida "facada nas costas" e queira aliviar-se de Putin e da sua elite. De resto, pior continua a ser sempre possível.
Jurista
o autor escreve segundo a antiga ortografia