O leitor recordará a minha repetida preocupação sobre o processo de privatização da ANA. Sempre temi que essa privatização pudesse implicar riscos muito significativos para o aeroporto Sá Carneiro (ASC) que tem sido, a par do porto de Leixões, um dos motores da nossa economia regional, e sinal da sua abertura ao exterior, condição essencial para resistir à crise e contrariar os impactos recessivos da austeridade que nos vai sendo imposta.
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Por essa razão, defendi que o porto de Leixões não poderia passar a ser gerido por um modelo centralizado. Essa solução acarretaria riscos muito significativos para a nossa região, na medida em que o superavit do nosso porto, que resulta da sua boa gestão e do crescimento das trocas comerciais da economia regional, iria ser desviado para outros portos, onde os critérios de gestão têm sido outros. Este desígnio, essa defesa dos interesses da nossa região coincide, de resto, com o interesse nacional, na medida em que essa eventual transferência adiaria a resolução dos problemas desses portos, disfarçando-os, e dando benefício indevido aos infratores. E, note-se, que as recentes greves portuárias, que não afetaram Leixões mas paralisaram os outros portos, demonstraram que, de facto, a fusão portuária teria um impacto muito negativo para todo o sistema portuário nacional, razão que terá contribuído para que esse projeto de centralização tivesse sido abandonado.
Infelizmente, já no caso do ASC não foi possível resistir ao modelo de centralização, em grande parte porque o nosso aeroporto estava incluído num monopólio estatal. O Governo não foi sensível aos nossos argumentos, não acatou a nossa sugestão de contemplar, como alternativa válida, a hipótese de privatização dos aeroportos em separado, e optou por um modelo de privatização em bloco, que, na prática, converte os aeroportos portugueses num monopólio privado.
Com o Decreto-Lei 232/2012, de 23 de outubro, o assunto ficou assim definitivamente encerrado, restando apenas por saber quem será o futuro proprietário da ANA, que continuará a ser concessionária de todos os aeroportos nacionais em regime de absoluta exclusividade. Para quem tenha dúvidas sobre as intenções do Governo, basta ler este decreto-lei, em que se explica, candidamente, que o processo de privatização "deve respeitar a importância estratégica do chamado hub de Lisboa" e se explicita que, com este modelo, o Governo tem em vista garantir "a capacidade de financiamento necessária à prossecução das suas atividades e investimentos, nomeadamente no que respeita ao aumento da capacidade aeroportuária na região de Lisboa". Por outro lado, este mesmo decreto-lei contém uma mentira descarada quando invoca as "melhores práticas internacionais", uma vez que o modelo de monopólio privado não passa de mais um experimentalismo dos nossos governantes, e não tem paralelo em nenhum pais europeu. Valha-lhe, ao menos, a candura de confessar, preto no branco, que se pretende salvaguardar os interesses de Lisboa...
Sendo claro que o interesse do Norte não foi acautelado, sabendo-se que, dos grandes aeroportos nacionais, o nosso estará sempre numa situação de maior vulnerabilidade face à concorrência externa, dada a sua proximidade da Galiza, esperar-se-ia que os nossos políticos não se conformassem com esta opção, que transforma o nosso aeroporto numa parte do enxoval com que se pretende atrair quem resolva a complexa situação de Lisboa. Lamentavelmente, e para alguns, será sempre mais fácil iludir os eleitores com promessas variadas e folclóricas do que resistir, denunciar e não capitular perante os interesses do centralismo. A prazo, o ASC poderá estar condenado a ser irrelevante, porque o privado privilegiará o lucro, em vez do número de passageiros. No que podemos, ainda assim, vir a ter sorte, caso o futuro proprietário da ANA venha a reconhecer a sua importância ou a compreender o seu potencial. Essa nesga de fortuna será a única esperança que nos resta, depois dos silêncios comprometidos e da apatia.