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De Moçambique têm vindo notícias más, com a conflitualidade entre Frelimo e Renamo a começar a passar a linha que separa a paz da guerra. É claro que, enquanto isto acontece, sofre o País e, sobretudo, sofre a população.
Este eclodir de violência é surpreendente, numa altura em que Moçambique cresce e parecia estabilizado. Para 2013, está confirmado um crescimento de 7%, e, em 2014, a fasquia dos 8% poderá ser ultrapassada. Por isso, talvez seja oportuno recuar no tempo para procurar ver um pouco mais claro.
É bom recordar - a nossa memória é cada vez mais volátil - que, entre 1976 e 1992, Moçambique viveu uma guerra civil que opôs a Frelimo à Renamo. Que, em 1992, foi assinado um Acordo Geral de Paz entre as duas partes que pôs termo ao conflito; e que, em execução desse Acordo, a Renamo conservou forças "militares" que, depois, haveriam de ser integradas nas forças policiais de Moçambique. Tanto quanto sei, isso nunca veio a acontecer.
Sabendo-se que desde há mais de vinte anos há ou havia paz em Moçambique (ou, pelo menos, não havia guerra), porquê agora, justamente quando se verifica crescimento significativo e começou a dar frutos a exploração de recursos naturais naquele que foi um dos países mais pobres do planeta?
Talvez porque, verdadeiramente, em Moçambique se viveu durante estes anos numa situação mais de armistício do que de paz real. Ter-se-á suposto que o desenvolvimento gradual da democracia, a realização de eleições, a institucionalização do aparelho de Estado, a integração da Renamo no sistema e a aceitação da alternância de poder resolveriam o que no passado não tinha sido possível solucionar.
Aparentemente, este juízo mostrou-se demasiado otimista. Afonso Dhlakama, líder da Renamo, vagueou sempre entre dois estatutos impossíveis de conciliar: o de "guerreiro" semirretirado e o de principal chefe da oposição parlamentar e constitucional. O Governo da Frelimo, por seu turno, não terá feito o suficiente para incluir a Renamo na condução dos destinos do país, confortando-se na ideia de que, sendo maioria, não precisava de integrar aqueles que iam perdendo nas urnas.
Em Moçambique, joga-se no fio da navalha. Dhlakama passou à semiclandestinidade: quando as baionetas falam, luta-se pela sobrevivência. As suas próprias forças, agora, atuam de forma errática e começam a lançar ataques contra civis. A Frelimo, essa, parece acreditar que, com ações bélicas relativamente localizadas, conseguirá neutralizar de vez a ameaça "anticonstitucional" daqueles em quem nunca confiou. Na verdade, o poder de Maputo sabe estar em posição de força e que conta com o apoio internacional (ao contrário de Dhlakama). E sabe até que, perante a vaga muito preocupante de criminalidade a que a própria capital tem assistido, com raptos, ações violentas e até a morte de uma criança num rapto em que parece ter havido cumplicidades de elementos da polícia, lhe é útil alijar responsabilidades, designando um "inimigo", ao mesmo tempo que declara querer o diálogo. Mas esse é um jogo perigoso, muito perigoso.
P.S. Se as ações bélicas que acontecem em Moçambique tivessem ocorrido em Angola, teria a imprensa sido tão serena e compreensiva?