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Os jornais irlandeses acham que "o corajoso Portugal teve de se render ao inevitável". Os espanhóis dizem que a monarquia "não corre o risco de contágio, embora dependa em muito da saúde de Portugal". Os franceses juram que "a economia espanhola (ao contrário da portuguesa) é demasiado grande para falhar e demasiado grande para ser ajudada".
Os americanos reconhecem que "Portugal regressou aos maus hábitos do passado", e "pagou por isso".
Um respeitado boletim inglês afirma que, ao contrário dos apocalipses grego e irlandês, "o pedido de ajuda português não causou pânico internacional".
Tudo isto refere-se, sobretudo, a consequências. Nem uma palavra sobre causas imediatas e remotas. Mas elas são conhecidas: tal como noutros países menos responsáveis, o poder político e empresarial português, com honrosas excepções (que serão relembradas), incentivou, pactuou ou não travou o crescimento de uma dívida pública, em grande parte não "virtuosa".
Ou seja, nem sempre o dinheiro que o Estado pediu emprestado era justificado por necessidades sociais imperiosas, ou por sólidas razões económico-financeiras. Muitas vezes, o crédito foi pedido por razões políticas, visíveis e invisíveis, demagógicas ou meramente contestáveis. Essa história precisa de ser feita, a benefício de inventário, ou para memória futura.
Para já, importa sair do fundo, com o fundo. Este pode ser o instrumento europeu reservado à zona Euro, o fundo de socorro que abrange toda a EU (incluindo, para parte da doutrina, os candidatos à adesão), ou um ainda inexistente mas passível de decisão negociada, "fundo provisório", ou "interino".
O dinheiro destes mecanismos é em parte derivado de dinheiros carregados pelo FMI, mas não é o FMI em si, independente e com regras próprias, que regressa a Portugal. Para já, é a Europa que resgatará uma sua parcela soberana. Uma chegada do FMI, desgarrado dos fundos europeus, significaria que, por decisão própria, Portugal se preparava para sair da União, ao abrigo do artigo 50 do Tratado de Lisboa.
O que nos conduz a um outro ponto. Face ao agravamento da crise, a "esquerda" portuguesa não oferece soluções - práticas ou doutrinárias - e não advoga, por exemplo, a renúncia ao "clube europeu", ou outra medida extrema. Limita-se a repetir, até à exaustão, coisas menores sobre os truques de magia socráticos (e pós-socráticos).