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Não se pode faltar à verdade. A actual crise financeira é muito pior do que a dos anos 80, quando o FMI teve de resgatar Portugal. É pior, desde logo, porque chega depois e apesar da Europa, dos seus fundos, e das décadas da sua ajuda. Há 30 anos, estávamos depauperados e isolados. Este cataclismo acontece quando vivemos acompanhados, num clube de ricos.
Há uma razão pela qual a "esquerda" tem poucas ou nenhumas ideias quanto à saída da situação. É que o gasto excessivo, sem olhar a possibilidade de pagamento, e em nome da "justiça social", foi uma receita que o mesmo continente político quis para Portugal. Ela é uma das mães da crise.
Não vai haver soluções fáceis, nem sem dor. Reduzir drasticamente o Estado significa lançar milhares adicionais para o desemprego. Um governo avisado teria preparado cuidadosamente este momento, treinando funcionários para que pudessem adaptar-se a outros postos, no sector privado. Agora é tarde. Os piores tempos serão aqueles que vão mediar entre a previsível saída massiva do sector público até à reentrada de todas essas pessoas num mercado de trabalho mais realista e reformado.
Espera-se que, perante tão dramáticas perspectivas, o Governo - este ou o próximo - não ensaie mais contabilidade criativa. O exemplo da Grécia foi demasiado mau. É necessário que, muito claramente, se mostre, nas estatísticas, quanto é que o Estado deve, e quanto é que o estado recebe. Passos Coelho andou bem ao escrever ao primeiro-ministro, pedindo-lhe que os prejuízos reais do sector público, incluindo o das parcerias com privados, sejam orçamentados e revelados.
Iremos também viver - espera-se - o fim da dívida pública política. Isto é, aquela que deriva não de funções urgentes e relevantes, para melhorar a sociedade ou proteger os fracos, mas antes de projectos de ganho partidário e de opção doutrinal.
Pode dizer-se, como é evidente, que num sistema onde a política comanda a economia (uma das versões da democracia), todas as escolhas económicas são políticas.
Mas descontado isto, há uma larga margem onde se percebe que certas "opções", mesmo justificadas pela "política", matam as esperanças que dizem criar.
Qualquer mecanismo de endividamento sem responsabilização é injustificável, do ponto de vista de qualquer doutrina, porque causará mais sofrimento do que bem.