<p>Podem acusar Nicolas Sarkozy de espectáculo populista, de oportunismo e de "excesso de imagem", como já ouvi. Mas o presidente francês tem todos os instintos, qualidades e momentos de um estadista. </p>
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Ao falar em Cabul, rodeado por militares experimentados, generais condecorados, operacionais cansados, soldados de várias gerações, especialistas e novatos, prestando homenagem a dez combatentes caídos, fez-me lembrar uma imagem de Júlio César, de um livro popular da minha infância.
Chefe político e comandante, o cônsul arengava as legiões, num momento de infortúnio. Por trás, o símbolo da república, a águia, os centuriões, os veteranos de muitas campanhas, confortados com a atenção de Roma, nas longínquas paragens operacionais de um futuro "império parlamentar".
Sarkozy sabe que, no Afeganistão, a campanha é difícil, e pode estar a ser perdida. Num conflito anti-insurreccional, com este terreno, esta extensão, as forças em presença, a vizinhança de um poroso Paquistão, a ligação entre guerrilha e crime organizado, a OTAN pode estar em muito maus lençóis.
Se o Governo de Cabul não conquistar mais legitimidade e aceitação, se continuar a prestar mais atenção aos novos uniformes dos seus marechais, à guerra de palavras com o Paquistão, à reconstrução dos símbolos do poder, terão de ser os exércitos estrangeiros a resolver a situação.
Mas, para actuar eficazmente, patrulhar, intervir rapidamente, manter guarnições nos sítios que retira aos talibans, espalhar grupos político-militares por todo o país, a Aliança precisaria, provavelmente, de 400 mil homens no terreno. Tem pouco mais de metade de um décimo desse número.
E não se vê quem quereria investir juventude, sangue, suor e lágrimas, num problema que parece demasiado longínquo, demasiado complicado, demasiado desesperante. A Polónia, a Alemanha, a Turquia, a Espanha e a Itália possuem largos contingentes terrestres, mas por que deveriam colocar todos os ovos neste cesto?
Por outro lado, se a OTAN atirar a toalha ao chão, e sair, o regime de Karzai cai, e a derrota político-militar será total. Para já não falar nas possíveis humilhações (e baixas) no contingente internacional, durante uma retirada anunciada.
Por fim, é preciso explicar que, no Afeganistão, os talibans não são uma mera forma doméstica de religião política, preocupados com as suas fronteiras e o seu povo. Trata-se de uma experiência de exportação internacionalista, que ameaçará toda a região e o Mundo, como já se viu, na guerra contra o Irão, e no 11 de Setembro.
E a "Esquerda" americana (Obama) é a favor desta guerra.
P.S.: Enquanto desejamos a Angola boa coragem, cabeça fria e perseverança, no próximo acto eleitoral, é justo que preste aqui homenagem à falecida mulher do embaixador Assunção dos Anjos, e que conforte este, numa hora tão triste. Não é o facto de o diplomata ser meu querido amigo que me retira objectividade na apreciação. A verdade é que o casal dos Anjos representou excelentemente Luanda em Lisboa, em bons e maus momentos. Nunca poupou os caminhos da aproximação com Portugal, nunca lançou achas para as várias fogueiras que se foram criando.
É uma tarefa difícil, sabendo-se que a paixão entre as duas nações pode sempre originar excessos.
Por trás desta brilhante folha de serviço está, obviamente, a capacidade superior de um embaixador, mas também o talento, o carinho e a inteligência de uma embaixatriz.
Far-nos-á muita falta.