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Não sei se o leitor partilha da minha embirração com o optimismo do primeiro-ministro. Reconheço-lhe tenacidade, e sei que a confiança é um factor que pode acelerar a retoma. Sei também que os discursos catastrofistas são inúteis, principalmente quando são feitos por quem, tendo o poder para mudar alguma coisa, não aponta qualquer alternativa ou via de solução. Falar de insustentabilidade só faz sentido se houver o cuidado de explicar que essa condição, que é fruto de opções fracassadas, não é inexorável.
Todavia, não defendendo o derrotismo, que se deixe de crer que há uma saída para a crise ou, pior do que isso, que se volte a acreditar nos dotes de homens predestinados, também não é possível ver com bons olhos que se continue a fazer-de-conta, desconsiderando assim o sofrimento e a angústia de aqueles - e são muitos - que vivem grandes dificuldades.
Por isso, quando Sócrates esgrime estatísticas mirabolantes para garantir que tudo vai melhor, quando promete aquilo que sabe que não pode, e por isso não deve prometer, está a prestar um mau serviço ao país. É por causa deste "faz- -de-conta" que os portugueses estão entre os europeus que menos confiam na necessidade de fazer sacrifícios para conter o défice das contas públicas, o que é extraordinário se considerarmos a fragilidade da nossa situação, quando comparada com a dos nossos parceiros. É por via desse optimismo infundado que continuam a acreditar que se está a pagar, apenas, as consequências de uma borrasca internacional, e que um dia tudo vai voltar ao normal. É por culpa dessa irresponsabilidade que se vão recusando, ou adiando, as reformas dolorosas mas indispensáveis e se ignoram os avisos de quem conhece a realidade.
Como se lia no "Expresso" do fim-de-semana, "no essencial o Governo não controla, nem pode controlar uma parte importante da despesa" e "há mais uma conclusão inevitável: criou-se um conjunto de direitos que … acarretam um custo que a economia portuguesa não pode suportar". E, a concluir, lê-se nessa crónica que se "aproximam os dias de verdade. Ou o sistema político consegue libertar a economia desta avalanche de custos (que alguns insistem em continuar a ignorar, sob o dogma da intocabilidade do chamado Estado Social) ou a economia definhará cada vez mais".
Ora, acontece que o autor deste presságio não é Ferreira Leite, que também escreve naquele jornal, ou de um qualquer político da "perigosa e neo-liberal" Oposição. Quem deixou o aviso foi o insuspeito Daniel Bessa, que ainda acrescentou que o aumento de impostos é um paliativo indesejável.
Infelizmente, o Governo faz ouvidos de mercador e prefere acusar a Oposição de direita de querer desmantelar o Estado Social, em vez de tomar medidas que salvaguardem a sua viabilidade e impeçam a sua falência. Pior do que isso, e na medida em que não tem folga no OGE para modernizar a máquina do Estado que se concentra na capital, o Governo vai fazendo batota, socorrendo-se dos fundos de convergência de Bruxelas destinados ao Norte, Centro e Alentejo, e que assim são gastos em Lisboa, o que acentua o fosso entre as regiões mais pobres e as mais ricas, conforme tem sido denunciado neste jornal por Alexandra Figueira, em sucessivos trabalhos de investigação que, infelizmente, não têm consequências políticas. Com esta cortina de fumo, o Governo pode escamotear a realidade e sobreviver por mais algum tempo, mas as consequências para o futuro dos nossos filhos serão seguramente piores do que o acordar do sonho da Alice no país das maravilhas.