Peço desculpa aos leitores por hoje escrever sobre futebol, mais precisamente sobre o Campeonato do Mundo em curso no Brasil. Faço-o com a humildade de quem não é um especialista, mas com o direito que me assiste como observador atento deste incomparável fenómeno global. E é este último aspeto que merece uma primeira referência. Nunca na história do Mundo houve algo assim do ponto de vista de mobilização da atenção mundial. Mais de 5 mil milhões de espectadores verão em direto este evento desportivo. O que representa "só" 70% da população do planeta!
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Segundo estudos publicados por uma das mais prestigiadas escola americana de economia, este campeonato mobilizou negócios, ao longo de um ano, no valor de 5 a 6 vezes o PIB português!
Não existe nada de equiparável à escala planetária.
Ora, a propósito deste enorme circo, suscitaram-me interesse três aspetos marcantes em tudo o que já se passou. A evolução desportiva da competição, o comportamento da seleção portuguesa e a inesperada contestação política e social no "país do futebol".
Os resultados desportivos são desde já aparentemente heterodoxos e merecem uma reflexão.
Em destaque o êxito do futebol latino-americano, com um mínimo de sete seleções apuradas para os oitavos de final. Prestação fantástica.
Em realce também a relativa derrocada do futebol europeu, com três ex-campeões do Mundo já eliminados - Inglaterra, Itália e Espanha. Salvam a honra do continente a França, a Holanda e a Alemanha, a que se somam algumas seleções de segunda linha, mas estas sem grandes pretensões quando a competição começar a sério - Suíça, Bélgica e Grécia.
Finalmente o desastre do até há poucos anos prometedor continente africano, cuja única exceção poderá vir do menos africano dos seus representantes, a Argélia. Lastimamos ainda a novidade da omissão total do futebol asiático.
O que explica esta aparente atipicidade?
Muitos têm teorizado sobre o momento da época em que a prova se realiza, argumentando que os jogadores europeus estão esgotados por atuarem em campeonatos longos e muito exigentes. Admito que tal tenha influência, mas julgo que existe uma outra razão mais substantiva. Os jogadores europeus são quase todos muito ricos, já ganharam quase tudo, estão, muitos deles, aburguesados e sem ambição. Em contraste, os sul-americanos misturam alguns craques já realizados com uma maioria de atletas ainda em busca da ribalta. Lutam, correm, sentem a camisola, transcendem-se.
Ora é igualmente nesta perspetiva que analiso também a atitude da seleção nacional. Teríamos tudo a ganhar em haver misturado experiência com juventude e ambição. É pois inexplicável que ficassem de fora jogadores como Adrien, Antunes ou Bebé, em detrimento de unidades em final de carreira que não atuaram sequer na maioria da época finda e que recuperavam de lesões conhecidas!
Contudo, não é esse o mal estrutural da nossa equipa. Ele chama-se antes esgotamento das geração Queiroz e do fenómeno F. C. Porto Campeão Europeu em 2004.
Na realidade, após essas duas fornadas de elite, a desqualificação da formação e o frágil índice de aproveitamento dos nossos jovens atletas geraram o deserto - o Benfica, campeão nacional, entra em campo sistematicamente com 10 a 11 jogadores estrangeiros! E os outros principais clubes têm opções semelhantes.
Portugal, aumentou muitíssimo a sua formação quantitativa desde a década 90, tinha pois a obrigação de continuar a gerar muitos e bons talentos. Mude-se pois a política suicida da última década, aproveite-se a nossa magnífica matéria-prima e observe-se a constância de resultados de países com a nossa demografia - Uruguai e Holanda - que nunca abandonam a crista da onda.
Finalmente o furacão contestatário, inesperado, no país pentacampeão e superamante deste desporto!
O Brasil viu crescer a sua economia de uma forma exuberante nos últimos 15 anos. Tal decorreu das políticas inteligentes e sábias de Fernando Henrique Cardoso, continuadas sem grandes tropeções na primeira fase da era Lula.
A classe média cresceu e a "favela" foi acarinhada com sensibilidade social. Então o que justifica a instabilidade que se adivinha?
A incompetência relativa chegou ao nível federal e aliou-se a evidente falta de transparência na gestão da coisa pública. O crescimento económico abrandou e o Governo Dilma não soube gerir as expectativas excessivamente elevadas do magnífico povo brasileiro.
Aqueles que em Portugal aspiram à sucessão de Passos Coelho deviam meditar nesta realidade. O povo é sempre mais violento e castigador com quem lhe alimenta impossíveis que nunca se concretizarão.