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Há 35 anos, os jovens portugueses com mais de 18 anos combatiam no ultramar os movimentos de libertação de vários países, então colónias de Portugal. A guerra não só levava os jovens como aniquilava outros povos. O esforço de guerra obrigava a canalizar para o orçamento verbas que faziam falta na Educação - que não chegava a todos - e em muitos sectores de desenvolvimento. Portugal era um país pobre, com uma enorme taxa de analfabetos - era frequente ver pessoas aporem o dedo indicador num documento, por não saberem assinar - e muito atrasado nos mais diversos domínios. A censura e a polícia política velavam para que o regime seguisse o seu trilho sem desvios, severamente punidos, silenciados.
É importante recordar isto numa altura em que por força da liberdade, a nossa vida colectiva corre de outra forma. Atravessamos um período de enormes dificuldades económicas, uma crise que nos dizem que só se vive uma vez na vida e houve gerações que não passaram por ela. Mas vivemos em liberdade, em democracia, fazendo as escolhas que nos parecerem mais acertadas.
Foi esta mesma normalidade que o Presidente da República ontem exaltou no seu discurso. Muitos aguardavam que Cavaco Silva sovasse o Governo e a sua política, mas o Presidente fez o que é normal fazer em democracia: pediu aos partidos que sejam responsáveis e que ajudem a resolver a crise. Que não façam propostas irrealistas, que não mintam aos eleitores e que tenham o pudor de não gastar demais em propaganda porque há muitas famílias em sérias dificuldades. Já todos ouvimos milhares de vezes a história da montanha que pariu um rato e, ontem, o discurso de Cavaco teve esse mesmo significado, porque o presidente não acedeu aos que dele esperavam uma ajuda eleitoral ou a aniquilação de José Sócrates, e manteve a equidistância que se espera de um Presidente.
A política portuguesa tem andado nos últimos tempos dominada pela eventual corrupção do primeiro-ministro no caso Freeport e pelo azedar de relações do chefe do Governo com o Presidente da República. O primeiro caso arrasta-se, comandado pela velocidade que a Justiça imprime aos processos. Relativamente às relações entre Belém e São Bento não há notícia de uma caso em concreto, mas apenas análises. É bom que os partidos - e os jornalistas que tentam marcar a agenda política - entendam que o nosso futuro não passa por aí. As soluções para a crise também não. Do que o eleitorado quer ouvir falar é de "coisas reais", de como se sai da crise, de como se atenuam os seus efeitos na vida portuguesa. Quer ouvir o Governo e quer conhecer as alternativas. Segurança, Saúde, Ensino e Justiça são também, certamente, matérias que devem estar em primeiro plano. Com dados concretos e sem retóricas. Cavaco alertou para o perigo de uma grande abstenção enfraquecer a democracia. Nada mais verdadeiro. É aos partidos que compete atrair os eleitores às urnas. Com propostas sérias, realistas e com disponibilidade para um confronto leal.