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Fui a Fátima a pé. Pelos caminhos de Santiago. E fui porque prometi ir. E estarão, parece-me, todos enganados os que olham para este tipo de compromisso como algo excêntrico, primário e rural.
Quem promete ir a Fátima a pé, ou rezar de joelhos na Capelinha ou pelo recinto do Santuário, não o faz para aplacar a ira de um Deus castigador. Quer apenas, por sua iniciativa, livre e espontânea, demonstrar de forma visível e sentida o amor incondicional que sente por alguém.
E este ato de mostrar visivelmente, ao Deus em quem se crê, e ao próximo, que somos capazes de amar incondicionalmente tem um valor regenerador e salvífico individual e coletivo.
Jesus Cristo não morreu escondido. Foi sacrificado à nossa frente. Partilhou visivelmente o seu amor por todos nós. Sem exigir que o façamos em Sua honra mas percebendo, sem sombra de dúvida, quem o expressa e não só o sente.
E é sobretudo sentimento o que deve ser usado para perceber Fátima. A torrente de explicações racionais sobre o fenómeno das aparições geradas a propósito deste 13 de maio centenário, passou, do meu ponto de vista, ao lado do principal. Descrever Fátima a partir de uma experiência mística "à maneira de crianças" não chegará.
Fátima é o convite a fazer a experiência de Deus "como uma criança", ou seja, deixar-se simplesmente invadir pelo sentimento de paz, ternura e carinho que é universalmente experimentado naquele Lugar por crentes e não crentes.
A razão turva o sentimento, sendo que sentimento é uma forma de razão mais potente e mais pura.
E tem consequências. Para quem faz o caminho a pé, o sentido de solidariedade que se gera entre todos o que o partilham é, seguramente, semente de uma comunidade mais pacífica e mais coesa.
Não é impunemente que quase 50 mil pessoas percorrem dezenas de quilómetros ouvindo-se e ajudando-se, fora das pequeninas e grandes obrigações diárias. O exercício solidário das gerações de portugueses que há cem anos se entreajudam nesta visita à Senhora são uma pegada fecunda no nosso caminho coletivo.
Quando paramos porque um companheiro está cansado, quando partilhamos o farnel, quando rimos a bandeiras despregadas ou quando rezamos em conjunto, quase sempre em grupos fora dos nossos costumeiros círculos familiares ou sociais, recuperamos o essencial de uma humanidade que simplesmente nos faz felizes.
Foi o que senti e o que agradeço, do coração, ao Manel, ao Vítor, à Carla, ao Pedro e ao Luís que, comigo, partilharam o caminho.
*ANALISTA FINANCEIRA
