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Pouco importa se juridicamente é legítimo ler nomes de crianças em pleno Parlamento, num contexto que as hostiliza e discrimina. Já se percebeu que há opiniões jurídicas para todos os gostos e o problema de fundo vai além da lei. Mostra o quanto a política está a acolher, a normalizar e a alimentar um monstro chamado ódio e coloca a questão num plano de humanismo (ou falta dele) e de visão civilizacional.
O que espanta não são os números de André Ventura e Rita Matias, no hemiciclo ou nas redes sociais, e a ligeireza com que fomentam a perspetiva de um mundo cheio de barreiras e etiquetas, em que o outro é alguém que merece ser hostilizado apenas por existir. O que admira e preocupa é a normalização do discurso de ódio e a facilidade com que partidos democráticos reduzem autênticas agressões ao conceito de liberdade de expressão.
Não é legítimo tornar a diferença um alvo. Como não é legítimo desinformar e criar a ideia enviesada de que é por causa “deles” que “nós” não temos escolas ou médico de família. Em dezenas de concelhos do Interior, é graças a “eles” que temos capacidade para manter salas de aulas a funcionar e para travar ciclos de envelhecimento e de perda populacional.
Para aqueles a quem faz confusão a mera diferença de um nome (que, sublinhe-se, em si mesmo nada diz sobre a pessoa por trás dele, incluindo se é um cidadão português), convém recordar que todos somos o outro para alguém. E os portugueses sabem-no bem, porque têm a emigração inscrita na memória. Conviver com a diferença amplia-nos. Mas pelos vistos há quem sinta nostalgia de sermos “orgulhosamente sós” e verdadeiramente pequeninos.