Corpo do artigo
1. Morreu Rosa Coutinho. Custa a crer que o almirante nunca tenha sido acusado de traição e tenha vivido confortavelmente os últimos anos de vida, mas este país é como é. Também custa a crer que Vasco Lourenço tenha branqueado, nesta ocasião, o que esta sinistra personagem fez, ao serviço de outras potências e de conveniências inconfessadas, quando lhe competia cumprir a sua missão defendendo os interesses da Pátria e honrando os compromissos que Portugal assumira. Mas infelizmente, não é a primeira, nem será a última vez, que o espírito de camaradagem de Vasco Lourenço lhe tolda os juízos e a avaliação. O corporativismo funda-se nestas cumplicidades, e esgota-se entre velhos compromissos e códigos, que nada têm a ver com a honra. Terá sido por quebra desses códigos que Costa Martins, outro dos "camaradas vermelhos" que morreu há poucas semanas, e que tinha arrasado e ridicularizado as memórias de Vasco Lourenço, não foi por ele homenageado da mesma forma, não se tendo a Associação 25 de Abril sequer feito representar no funeral.
2. Rosa Coutinho, Costa Martins Corvacho e os seus apoiantes tentaram subverter a revolução e impor um novo regime repressivo. Felizmente, tinham um curto prazo de validade, que se esgotou no 25 de Novembro, já depois de cumprirem as suas obscuras missões. Apesar do enorme custo para o país, que ainda hoje sofre as sequelas do tempo em que mandaram e desmandaram, não conseguiram raptar a liberdade. Pena é que aqueles que estiveram do outro lado da barricada, e que perceberam que o país iria cair no abismo, como foi o caso de Vasco Lourenço, nos tentem fazer esquecer esses tempos, e reduzam a sua participação cívica a estas manobras de branqueamento, interrompidas por um triste e rancoroso saudosismo.
3. Como se esperava, o PS declarou o apoio formal a Alegre, que já era o candidato do BE e que, nas últimas eleições, se rebelara contra a escolha do partido. Naturalmente, e a contar com esse apoio, Alegre há muito que deixara de contestar a governação. Até às eleições, assistir-se-á a um concurso de equilibrismo entre Sócrates e Alegre. O primeiro-ministro tentará viabilizar as medidas impopulares com a anuência patriótica do PSD e, nos intervalos, procurará apoio para os seus desvarios no BE; enquanto isso, Alegre tentará não comprometer o apoio que negociou com o PS, sem desiludir o BE. Veremos se o arame suporta estes dois equilibristas, e se o país suporta este espectáculo circense.
4. O PCP navega nas contradições entre os seus compromissos ideológicos e a realidade. A pretexto da mirífica incorporação nacional, e da sua crença no investimento público como panaceia, optou por ser bengala do Governo no apoio à construção do TGV e da Terceira Travessia, esquecendo-se do que disse e redisse, com razão, sobre as parcerias público-privadas e olvidando que, a troco dessas obras sumptuárias, o Estado irá diminuir os apoios sociais, extorquir os contribuintes e esmagar os mais pobres.
5. Sócrates e a sua "entourage" parecem padecer de um problema crónico com a verdade. Desta vez, depois de terem dito que Chico Buarque o tinha querido conhecer, ficou a saber-se que, afinal, foi Sócrates quem terá querido conhecer o músico brasileiro. Não sei se a missão do primeiro-ministro no Brasil terá resultados para o nosso comércio externo mas, pelo menos, conseguiu exportar, para terras de Vera Cruz, mais uma patética anedota sobre os portugueses.
Assim o temos, nos dias que correm, este país.