Há momentos em que um livro , uma música, uma paisagem, um vinho, uma gastronómica novidade, um quadro, um olhar são suficientes para que as rugas da nossa alma se espreguicem, se estiquem, deixando-nos um pouquinho mais crentes no que é e no que há de ser a nossa vida individual e coletiva.
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E também há pessoas capazes de nos fazer acreditar que, para lá da espuma dos dias, mergulhadas no país profundo que se confronta com o destino de negritude acentuada, são capazes de nos provocar o mesmo tipo de sensação de alívio, de gosto, de gozo e de esperança.
Encontrei uma (o que, por estes dias, vai sendo uma raridade) em Viseu, numa conferência organizada, na passada segunda-feira, pela TSF e pelo JN, numa parceria com a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas. João Silva foi professor de Educação Física anos a fio. Hoje é presidente da Cooperativa Agrícola de Távora. Desempoeirado como todos os homens que sentem o que fazem e sofrem com o que não os deixam fazer, atirou estes números para a plateia: em meia dúzia de anos, o espumante feito na região do Távora-Varosa pulou de 5 mil para mais de meio milhão de un idades; a Cooperativa que João Silva lidera dá emprego direto a 57 pessoas; é o ganha-pão de 1200 famílias; e só arranca com uma nova campanha depois de ter pago a anterior aos agricultores.
Este "caminho da honradez" (palavras dele) é feito numa altura em que "a agricultura bateu no fundo" (palavras dele também). Quer dizer: o mais fácil, para a Cooperativa de Távora, seria refugiar-se na crise e permanecer, quieta, num recanto à espera que a tormenta passe. Nada disso. "Temos de ser ambiciosos, inovadores e empreendedores, senão a história acaba por nos apagar"."É por isso que a junção com a Cooperativa de Armamar está em curso. Para que a história não se encarregue de apagar quem não quer, nem merece, ser apagado.
Há queixas, claro. E dirigidas a quem, no sossego de um qualquer gabinete, decide estimular a colocação de toneladas de fruta no mercado, mas se esquece de criar, a montante, condições para que o objetivo se concretize. "Não temos, por exemplo, câmaras de frio, essenciais para este negócio", exemplifica João Silva. "O tempo do ensaio e erro já lá vai. Se Deus quiser e o Governo também, nós cá estamos". Para lutar.
Do Interior, desse outro Portugal onde a alma se estremunha com compreensível facilidade, chegam, portanto, boas notícias. Que mil presidentes como este floresçam pelo país, a ver se a coisa avança.
P.S.: Scolari disse, numa entrevista, que não convocou Baía para a seleção porque Pinto da Costa lhe dissera que o guarda-redes era "problemático". É uma das mais cobardes e rasteiras desculpas que ouvi a um treinador. Lamentável.