A Venezuela vai a votos em eleições locais. Com o presidente Nicolás Maduro no poder há apenas sete meses, poderia presumir-se que este é um acontecimento sem especial importância. Mas não é.
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Em primeiro lugar, porque a oposição - representada pelo "eterno" Capriles - desde há três meses apostou tudo ao apresentar este sufrágio como uma espécie de referendo popular a Maduro. Esta estratégia de "nacionalizar" o que é local ou regional, naturalmente, não foi inventada agora, e muitas vezes a pudemos ver entre nós. Mas, no caso da Venezuela, é possível que seja isto que vai ser determinante: o eleitorado legitima, ou não, a liderança de Maduro?
Tivessem as eleições ocorrido em Outubro, e talvez não fosse boa ideia ter apostado em Maduro, ainda à procura de um caminho próprio: por todas e mais algumas razões, nunca será Hugo Chávez. Não é carismático, não deve nada à oratória, embora seja capaz de discursos infindáveis e quase monotemáticos. E ninguém de bom senso o confunde com um visionário.
A verdade é que Maduro chegou ao poder, e ainda assim por muito pouco, utilizando com alguma falta de pudor a iconografia chavista. E, nos primeiros meses, as coisas não lhe correram nada bem. Em queda nas sondagens, com o líder da oposição a subir, o Presidente venezuelano arrepiou caminho desde há pouco mais de dois meses e desatou a tomar decisões que alguns considerarão alucinadas mas que se têm mostrado de uma eficácia tremenda. Foi a antecipação do Natal para Novembro, mostrando que, na Venezuela, um Presidente a "sério" até isso consegue. Foi, depois, acusar a oposição de ter sabotado uma central elétrica, com Caracas e outras cidades às escuras durante horas. Foi, mais recentemente, a decisão extraordinária de proibir em 2014 quaisquer despedimentos, seja no público, seja no privado.
Com tudo isto, e um estilo finalmente mais incisivo, Nicolás Maduro não só estancou a queda nas sondagens como poderá, até, ter invertido a tendência: e aceitou o repto que lhe foi lançado pela oposição.
Joga-se por isso bastante nestas eleições.
E mais se joga quanto a Venezuela de facto são duas Venezuelas, fraturadas social e geograficamente. O chavismo (hesito em falar agora de madurismo) teve efeitos impressionantes nas condições de vida dos deserdados, das classes sociais mais baixas e rurais. Deu-lhes ainda por cima esperança, protagonismo e autoestima, embora à custa de algumas políticas que, a prazo, poderão ter efeitos de ricochete muito significativos. Veja-se a inflação a 54% em 2013, ou o dólar, no mercado negro, a valer nove vezes mais do que na cotação oficial. Diferentemente, a maioria da classe média urbana (para não falar dos mais abastados) odeia este regime, que qualifica como extremista, demagogo, cesarista e antidemocrático.
Como quase sempre, a verdade deve estar algures a meio de todas estas paixões. Porém, se Maduro joga uma cartada muito importante, o mesmo acontece com Capriles, que se lhe opõe. Porque Capriles fica sempre a quase ganhar, mas nunca ganha, cada vez mais se parecendo com Poulidor, aquele ciclista que, na Volta à França, tinha a desagradável tendência para ficar em segundo.
Uma coisa é certa: ninguém pode acusar a Venezuela de ser monótona.