Corpo do artigo
A construção de uma "Nova Ponte sobre o Rio Douro" tem uma história que remete, não só para os primeiros planos diretores da Metro do Porto, mas, muito particularmente, para o teor de um protocolo "Nova ponte sobre o Rio Douro entre o Porto e Vila Nova de Gaia (Massarelos-Canidelo)", subscrito, em 7 de dezembro de 2001, pela Câmara Municipal do Porto, pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, pela Metro do Porto, S.A., pela Universidade do Porto e pela RAVE - Rede Ferroviária de Alta Velocidade, S.A..
O referido protocolo, em cuja elaboração tive a honra de participar como responsável em representação da Universidade do Porto, previa a realização de um estudo prévio da nova ponte e do projeto base de reestruturação urbanística do Polo Universitário do Campo Alegre (Polo III), contemplando a solução uma utilização multimodal transporte rodoviário, metro e alta velocidade , que veio a dar origem a um estudo preliminar da travessia do rio, o qual já não contemplava a alta velocidade, que entretanto optara por outra solução, mas que inseria devidamente as componentes de metro ligeiro e rodovia.
É interessante recordar, dos considerandos desse protocolo, referências como "a importância estratégica do reforço da articulação territorial e o equilíbrio funcional dos centros urbanos do Porto e Gaia", a "necessidade de aumentar e fluidificar as interações entre estes dois centros urbanos", a consideração de que "o sistema viário de caráter urbano tem na zona ocidental das duas cidades um défice de hierarquia funcional e de capacidade (Ponte da Arrábida) que enfraquece o potencial de desenvolvimento das centralidades consolidadas e emergentes dos eixos de travessia do rio" e, por fim, "que o Polo III da Universidade do Porto está situado no centro desta articulação de transportes entre as duas Cidades e que já hoje é necessário reforçar a integração deste polo funcional com o resto da Cidade".
A "nova" abordagem da ligação que agora surge, quase vinte anos depois, põe de lado duas premissas que reporto fundamentais, a preservação urbanística e paisagística do Polo Universitário do Campo Alegre e uma travessia rodoviária, contida, entre as duas margens.
De facto, a diretriz prevista no "Programa Preliminar da Metro do Porto" para a travessia só por milagre não conduziria a uma inconcebível ingerência na possibilidade de requalificação e unificação urbanística do Pólo Universitário! A observação da inserção da obra proposta pelo Concorrente, em princípio, indigitado como vencedor, respeitando as imposições do Caderno de Encargos, é, na margem direita, um autêntico atentado ao que terá de ser preservado como zona de proteção ao complexo de edifícios da Faculdade de Arquitetura (a ponto de impedir uma ampliação prevista para esta), bem como à unidade de todo o Polo (que inclui ainda as Faculdades de Ciências, Letras e Ciências da Nutrição e Alimentação), destruindo, irremediavelmente e de modo inacreditável, a paisagem e o contexto urbano.
No entanto, esta passagem é vital para a integração das malhas urbanas das duas margens. E é urgente! E a urgência exige o bom senso de anular este concurso e repeti-lo com um eixo, em planta e alçado, que salvaguarde a imperiosa necessidade de respeitar uma adequada inserção no Polo para que não venham a levantar-se formas de contestação que atrasem a execução de uma obra verdadeiramente imprescindível. Certamente que a fase de projeto envolverá um estudo de impacte ambiental; no entanto, pareceria mais importante obter esse documento logo na fase de lançamento do concurso...
O regresso a um traçado próximo da diretriz definida no estudo que resultou do protocolo de 2001 terá virtualidades para poder solucionar esta enorme chaga arquitetónica, urbanística e de paisagem.
Relativamente à segunda premissa - a travessia rodoviária -, pareceu-me perceber que o financiamento comunitário não acolheria esta funcionalidade. Mas haverá certamente outros meios de contornar tal restrição. É que a limitação a vias de "mobilidade ligeira" é uma opção tremendamente redutora e errada. Colocar de lado o trânsito automóvel (podia ser só de veículos ligeiros), muito contido como estava previsto no protocolo de 2001, será certamente um enorme erro! Que avaliação farão as gerações futuras dos responsáveis que conceberam uma travessia desta dimensão sem ser contemplado o trânsito rodoviário? Está na moda, é certo, o aliciamento para o recurso à bicicleta, aqui refletido na conceção da ponte juntamente com a circulação de peões. Mas percorrer a pé (e talvez mesmo de bicicleta) 960 metros, a uma cota que atingiria 76,80 metros em relação à superfície da água no rio (é sensivelmente o mesmo que andar na cobertura de um prédio de rés-do-chão e 24 andares...), com uma guarda a que o Programa Preliminar atribui apenas uma altura de 1,10 m e com o metropolitano de superfície a passar atrás a 50 km/hora, parece apontar para uma verdadeira aventura radical... Com uma extensão bem mais reduzida, o atravessamento a pé da Ponte da Arrábida, sobretudo em dias de chuva e vento, pode ser uma boa experiência para ilustrar esta previsão.
A segunda premissa aponta, então, para que a travessia contemple a vertente rodoviária, contida, única forma de interpenetrar firmemente as malhas urbanas de Vila Nova de Gaia e do Porto, ligando, mediante o que poderá ser considerado "via urbana", o Campo Alegre à Via Eng.º Edgar Cardoso, com contribuição para a concessão às duas Cidades da unidade que o Rio Douro tem mantido exageradamente limitada, e atenuando o que as vias existentes, predominantemente previstas para mais longas deslocações, não solucionaram. A conceção do tabuleiro, em viga caixão, parece mesmo poder evoluir para uma ligação a dois níveis, facilitando a integração desta funcionalidade...
Por todas estas razões, já que a alteração proposta exigirá significativa alteração da implantação da travessia no Campo Alegre, a revisão do objeto do concurso parece imprescindível, sendo urgente enfrentar, sem hesitações, o problema criado, porque se deseja que a construção da ponte avance com a maior rapidez.
Engenheiro Civil e ex-Reitor da Universidade do Porto