Num país viciado em pontapé na bola (escrevo eu, adepto fanático do meu clube, que começa em “F” e acaba em “orto”), liga-se pouco ao maior tenista de todos os tempos, um dos maiores desportistas de sempre. Aguentar encontros de quatro ou cinco horas, com picos de intensidade loucos, e estar entre os melhores, aos 37 anos, é bem mais duro do que jogar futebol na Arábia Saudita. Chama-se Novak Djokovic e é o único, na história da modalidade, que ganhou tudo o que há para ganhar. Até há uma semana, faltava-lhe o ouro olímpico: obteve-o, frente a Carlos Alcaraz, 16 anos mais novo, numa final de sonho.
Novak é amado e odiado, e o ódio é quase sempre irracional (também o amor o será). Há várias causas. Surgiu em cena, como intruso, quando os adeptos se dividiam entre Federer e Nadal, destruindo o arranjinho. É sérvio, e a Sérvia, para muitos, não é um país fofo. Resmunga em campo, sobretudo com ele próprio e com a sua equipa técnica, parte raquetas de vez em quando. Todavia, e menos gente repara nisso, é um tipo interessantíssimo: discurso estruturado, lucidez a interpretar o jogo, extrema elegância face aos adversários, na vitória e na derrota. E pensa pela própria cabeça. Podemos discordar do facto de ter recusado a vacina da covid, mas nunca questionou o valor da vacinação. Fê-lo por entender ser o melhor para o seu corpo - é de um rigor extremo -, sem subterfúgios e pronto a sofrer as consequências. Reflete lucidamente sobre o futuro do ténis e luta pela dignificação dos jogadores de baixo ranking, para poderem sobreviver num circuito que os faz dar a volta ao Mundo de saco às costas, muitas vezes de mãos a abanar. É um ator consequente, não é o Ken da Barbie. E tem sentido de humor, o que o valoriza.
Admitindo que o curso da crónica possa dar-lhe ares de idolatria, interessa encontrar uma lógica a transcender o desporto e as paixões que suscita. Ora, quando se diz que os atletas de topo são exemplos para os mais novos, entende-se que devem ter comportamentos padronizados, consensualmente aceites, mesmo que finjam. Uma sociedade de unanimismo, assética, é uma sociedade desumanizada. Haja gente como “Nole”: reconhecido como o maior de sempre pela maioria dos seus pares, é muito mais do que um assombro a jogar.
*Jornalista

